quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"Nossa cidade precisa de asfalto". Será?

Ouvi há pouco tempo uma exclamação que me deixou no mínimo intrigado: "nossa cidade precisa de asfalto". Fiquei pensativo...

Não, o sujeito não estava estava falando de rodovias, de vias rápidas, mas sim dos bairros, isso mesmo, daquelas áreas em que as crianças brincam nas ruas, em que as pessoas dormem à noite, em que final de semana se faz um churrasco, se toma chimarrão na varanda, enfim, estava falando daquela área em que se mora.

O curioso é que também não estava falando de bairros com vias sem pavimentação, daquela poeira, dos pedregulhos. Estava falando de bairros que já estão pavimentados há mais de vinte anos com paralelepípedos. Estava falando, na verdade, em passar uma camada de asfalto por cima destes paralelepípedos como uma grande e importante solução para o Município.

"Nossa cidade precisa de asfalto". Continuei pensativo...

Década de oitenta. Cidade de Tubarão, Sul do Estado de Santa Catarina. Rua São Geraldo, mais conhecida como Rua da Farofa. Futebol arte. Dedão esfolado no paralelepípedo, as traves eram feitas com as havaianas, as legítimas, do tempo em que a propaganda era como Chico Anysio. Se desse fome, corríamos para pegar goiaba ali por perto. Se um carro se aproximasse, a bola permanecia com quem tinha a posse. Corridas de bicicleta, esconde-esconde, taco, a rua era nossa, era nosso pátio. Os pais dormiam uma soneca sábado à tarde e a gurizada brincando na rua. Sem medo.

"Nossa cidade precisa de asfalto". Ainda alguns meses depois e e aquilo martelando a minha cabeça. Estará certo mesmo? Será que asfalto é o que a cidade precisa? Não vou entrar na falácia tradicional de comparar asfalto com habitação, com saúde, com escola e dizer que há outras prioridades, além do asfalto. Não é isso. Minha dúvida era se, dentre o paralelepípedo de o asfalto, o melhor é sempre o asfalto. Minha dúvida era se as cidades realmente precisam tanto de asfalto.

Abro o jornal e as lembranças da infância na década de oitenta vão embora. A população de um bairro recentemente asfaltado foi à imprensa para pedir a instalação de redutores de velocidade, diante de uma morte causada no trânsito. "Nossa cidade precisa de asfalto", volta a frase, já irritante como um mosquito no quarto durante a madrugada. 

Talvez você não tenha reparado, mas o asfalto, que parece bom, nem sempre é. É bom sim quando se quer trânsito rápido, como numa avenida principal, numa rodovia, em vias coletoras de tráfego. 

Prefeito retira asfalto em Richmond 
Mas quando, como nos bairros, a intenção é somente dar um ar de "modernidade" à antiga pavimentação de pedras, o asfalto é uma tragédia. Diversos lugares no mundo já se convenceram disso e há inclusive associações que brigam (e fazem campanhas massivas) contra as tentativas de asfaltamento de paralelepípedos que funcionam bem em muitos casos há mais de um século. Em uma cidade americana, o prefeito pegou a picareta e ajudou a revitalizar o paralelepípedo.

Por quê? 

1) Porque é muito desconfortável andar de carro a mais de 50km/h em paralelepípedos. E, nesta velocidade, geralmente os acidentes não são fatais. As crianças podem continuar brincando nas ruas, as mães e pais podem ficar sossegados. Acidentes serão raros e não uma rotina na cidade.

2) Porque o asfalto gera ilhas de calor, já que tem alto  índice de Albedo, uma medida da quantidade de luz refletida pelo material, em comparação ao paralelepípedo. A neve tem o maior índice de Albedo dos pavimentos, ao passo que o asfalto tem um dos menores.  


3) Porque o paralelepípedo é de mais fácil manutenção. Se precisar consertar uma tubulação de água, de esgoto, de telefone, se precisar trocar algumas pedras, se precisar refazer a base do pavimento, basta retirar o paralelepípedo, fazer o serviço e reinstalar. Em pouco tempo, com o trânsito normal, o paralelepípedo estará assentado no lugar. Com o asfalto, a irregularidade fica para sempre presente, e daí aqueles já tradicionais "remendos".



4) Porque o paralelepípedo permite a percolação, diferentemente do asfalto. Isso significa que as águas das chuvas naturalmente se infiltram entre as pedras e vão para o solo, ao contrário do asfalto, que exige galerias pluviais, que geram a concentração de água em pontos específicos, gerando enchentes. Basta observar que a água por cima do asfalto corre muito mais rápido que por cima do paralelepípedo. Esta água vai ter que parar em algum lugar, e geralmente é nos pontos baixos da cidade. Não seria melhor se as ruas de cada bairro absorvessem a água e, pela percolação, abastecessem os lençóis freáticos?


5) Até mesmo o maior barulho gerado pelo contato do paralelepípedo com os pneus é visto como uma relativa vantagem. Claro que pode incomodar, mas é melhor que o barulho de freadas e de acelerações e tem a grande vantagem de alertar pedestres, crianças e animais da aproximação de um veículo, prevenindo acidentes. Se fosse na frente da sua casa, com os seus filhos, você preferiria asfalto ou paralelepípedo?

6) Não é preciso instalar lombadas ou radares em paralelepípedos, porque a velocidade é naturalmente baixa. Os bons motoristas não precisam se preocupar com o desgaste dos veículos, que não acaba sendo muito maior do que o do asfalto, com tantos remendos e lombadas. Os maus motoristas vão naturalmente reduzir a velocidade, mesmo sem lombadas. 

É claro que vias de trânsito rápido, tais como avenidas, devem ser pavimentadas com asfalto. Mas nas vias de trânsito lento, é uma enorme perda de tempo e dinheiro substituir paralelepípedos por asfalto.

Rua em San Miguel, México
Nova Iorque
Um formato diferenciado


Instalação recente em Nova Iorque
Mapa com ruas em paralelepípedo em Nova Iorque (em marrom)

Paver no Paraná. Uma alternativa também interessante.
Trecho da avenida Porto Alegre - Chapecó