sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Perguntas inteligentes merecem respostas aprofundadas


Pra quem acha que promotor de justiça só precisa entender de direito, aqui vai um exemplo interessante.

Dia desses um inteligente empresário da cidade me perguntou o que poderia ser feito para reduzir o trânsito nas vias urbanas do Município. Questão de cidadania, minha área de atuação. Segundo ele, o excesso de veículos e caminhões de carga, aliado à quantidade de pequenos veículos, estava transformando o trânsito de uma cidade pequena (45 mil habitantes) em problema de cidade grande. E ele estava coberto de razão.

Lembrei que a legislação municipal proíbe o trânsito de caminhões em determinadas vias e determinados horários, estabelecendo uma espécie de Zona de Trânsito Especial (ZTE). Mas só fazer cumprir essa lei não bastaria. A pergunta era inteligente e merecia uma resposta mais aprofundada.

Joguei no Google algumas palavras em português a respeito. Poucas respostas. Tentei em inglês e... bum!!! Ainda não tive tempo de ler tudo.

Uma das ideias que mais me instigou foi a de incentivar o uso de bicicletas, para que o hábito se torne naturalmente atrativo ao cidadão. Nada de proibir o uso de carros, de caminhões; nada de limitar, compelir, obrigar. O verbo aqui é incentivar. Uma ideia atrativa para empresários, que pudessem executar sem burocracia, sem esperar pelo eterno (e etéreo) "apoio político". Enfim, uma ideia que tivesse a cara dos novos empresários: dinâmica e eficiente.

Um dos sites mais interessantes que encontrei é do Instituto de Políticas de Transporte de Victória, no Canadá. Lá você encontra um artigo que enumera estratégias para encorajar o uso de transportes não-motorizados. Outro site, o 511 Rideshare, contém diversos casos de empresas que obtiveram reais vantagens com a implantação de programas de transportes alternativos. Eis algumas das ideias mais interessantes colhidas nesta pesquisa e que podem com relativa facilidade ser instituídas por empresários em praticamente todas as cidades do país:

1) Uma espécie de vale-transporte apenas para quem usa bicicleta. Imagine quantos dos empregados de cada empresa optariam pela bicicleta se ganhassem, digamos, R$ 50,00 por mês para cada 20 dias que viessem de bicicleta para o trabalho? E quantos carros deixariam de transitar nas ruas, considerando que a maioria apenas faz o trajeto casa-trabalho-casa? E como melhoraria o humor, as relações interpessoais, o trabalho de equipe?

Dia de inverno em Copenhagen

2) Estacionamentos para bicicletas e banheiros para mudar de roupa ao chegar. Na Europa muita gente anda de terno e gravata e de bicicleta. Mulheres lindas andam de vestido e salto alto. Ainda vamos chegar lá. E não, não é o clima que favorece. Aqui é muito melhor, não neva, não chove todo dia (como em alguns lugares do Canadá, por exemplo). Mas, enquanto não viramos europeus, que tal permitir que o empregado venha com a roupa mais à vontade e depois se troque na empresa ou, se quiser, tome um banho ou apenas lave o rosto? Em cidades pequenas e médias, a maioria dos deslocamentos para o trabalho é inferior a 5km e, nesta situação, com o fortalecimento natural do sistema cardiorrespiratório que a atividade vai proporcionar, será raro algum empregado chegar ao trabalho todo suado, esbaforido.


3) Eventos de caminhada e ciclismo realizados pelas empresas, direcionados aos empregados. No exterior são chamados de Bike-to-Work Day (Dia Bike-para-Trabalho). Muita gente não acredita no potencial da bicicleta porque simplesmente... não pedala. Imaginem o funcionário percebendo, num evento deste, que é muito fácil vir trabalhar de bicicleta? Alguns eventos premiam o funcionário ou a equipe de funcionários que conseguir completar a maior distância somada de bicicleta para o trabalho durante a semana ou mês. Outro incentivo é fornecer aos empregados, no Dia da Bicicleta, um café da manhã diferenciado na empresa.



4) Campanhas e competições do dia da bicicleta ou dia de ir ao trabalho a pé. Já temos no Brasil uma espécie de competição como o Dia do Desafio, iniciativa do Sesc, só que geralmente não é voltada ao transporte, mas sim à pura e simples atividade física, como esporte. Imaginem criar o Dia do Pedal, em que ganhariam prêmios os funcionários das empresas que fossem ao trabalho de bicicleta? Quantos precisam deste empurrãozinho para notar a vantagem de largar o carro em casa?

5) Serviços de entregas em bicicletas. O velho menino do jornal todos conhecem. E porquê não fazer o mesmo com a pizza, com o lanche, com as pequenas entregas em geral? Algumas empresas oferecem o serviço de bike-entrega, ou entrega ecológica (veja outros exemplos aqui).

6) Pagamento de um real para cada trajeto feito de bicicleta. Foi o que a empresa Specialized, da Califórnia fez. A empresa utilizou os dados estatísticos da diminuição do uso de carros para complementar suas ações em favor do meio ambiente. Em 2006, por exemplo, livrou do ar 68 toneladas de gás carbônico. Tudo bem que é uma fábrica de bicicletas, mas em 2007 a empresa obteve  71% dos funcionários transitando de casa ao trabalho de bicicleta.

7) Caronas de emergência. Outro caso considerado de sucesso pelo site 511 Rideshare é o da empresa Lockheed Martin, uma empresa de segurança. Além de todas estas iniciativas já listadas aqui, a empresa oferece uma carona de emergência para casa, parece ocorrer quando a bicicleta quebra ou quando o tempo muda demais. A empresa conseguiu evitar o gasto de aproximadamente 3 milhões de litros do combustível que os 2325 funcionários que aderiram ao programa gastariam em 2008. Nada mal, ein? Se a gasolina estivesse no preço brasileiro, seriam aproximadamente R$ 9 milhões de reais literalmente queimados a menos por ano!

8) Escolher um funcionário como o embaixador da bicicleta. Este funcionário pode ter seu nome divulgado em cartazes como os do "funcionário do mês", mas sua principal função será tirar dúvidas sobre o uso de bicicleta para o trabalho, ensinar a realizar pequenos consertos na bicicleta, auxiliar a encontrar rotas mais seguras, dar dicas de como comprar uma bicicleta, etc. É aquele sujeito que vai receber o seguinte tipo de pergunta: "Cara, tô afim de começar a vir de bike para o trabalho; como é que você faz?"

9) Incentivos tributários. Alguns países concedem incentivos tributários para empresas cujos funcionários vão de bicicleta ao trabalho. Nos EUA, desde 2009, em alguns estados, a empresa recebe um crédito de imposto de US$ 20,00 para cada funcionário que, ao invés de dirigir ao trabalho, vai de bicicleta. A ideia não era nova em 2009. Foi inspirada no fato de muitas empresas americanas já concederem este tipo de incentivo aos funcionários. Algumas empresas chegam a dar incentivos de US$ 500 para aquisição de bicicleta pelos funcionários que se comprometerem a vir ao trabalho ao menos duas (só duas!) vezes por mês  de bicicleta.

As vantagens destas iniciativas também são listadas nos sites consultados:

- redução geral de congestionamento nas cidades e bairros
- diminuição da exigência de estacionamentos nas empresas
- menos poluição
- maior eficiência no uso dos imóveis
- melhoria da qualidade de vida na comunidade
- melhora do humor no trabalho
- melhora da saúde dos funcionários
- diminuição de afastamentos por saúde

Bom, acho que a resposta foi satisfatória. O que você achou?