quinta-feira, 25 de junho de 2009

Bloqueio liminar de vencimentos - improbidade


Excelente tese aprovada no último Congresso Nacional do MP, na Bahia.




Por Marcelo Zenkner
Promotor de Justiça/ES

1. A DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO EM JUÍZO
1.1 O direito difuso à preservação do Erário

O artigo 127, caput, da Constituição Federal diz incumbir ao Ministério Público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Também incumbe ao Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (CF, art. 129, inc. III).

O dispositivo constitucional, ao fixar a legitimação do Ministério Público para promover a ação civil pública, também deixa patente que esse tipo de ação é apropriado para a “proteção do patrimônio público e social”, inclusive porque a doutrina consagra a tese de que a preservação do erário e a probidade administrativa são valores que se inserem no contexto dos direitos e interesses difusos, pois constituem bem de todos, indivisível, cuja violação afeta a sociedade como um todo.

Paulo de Tarso Brandão1, por exemplo, afirma: É inegável o caráter preponderantemente difuso do interesse que envolve a higidez do erário público. Talvez seja o exemplo mais puro de interesse difuso, na medida em que diz respeito a um número indeterminado de pessoas, ou seja, a todos aqueles que habitam o Município, o Estado ou o próprio País a cujos Governos cabe gerir o patrimônio lesado, e mais todas as pessoas que venham ou possam vir, ainda que transitoriamente, desfrutar do conforto de uma perfeita aplicação ou os dissabores da má gestão do dinheiro público – grifos nossos.

Ao comentar as disposições do art. 25, inciso IV, letra “b”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público,
Pedro Roberto Decomain2 professa idêntico entendimento. Assim é que, reportando-se à expressão “patrimônio público e social”, inserida no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, assevera: Interessante salientar que, segundo a dicção do aventado dispositivo constitucional, o patrimônio público e social seria interesse difuso. Com certeza o patrimônio público e social acha-se personalizado em determinada pessoa jurídica de direito público. Mesmo assim, contudo, abstraindo-se da personalidade jurídica da União, dos Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades de suas administrações indiretas e fundacionais, chega-se à conclusão de que a preservação de seus patrimônios realmente constitui interesse difuso, na medida em que não se trata de interesse deste ou daquele particular, mas sim de toda a coletividade. Mesmo que a alínea “b” do inciso IV deste artigo na dissesse a respeito da preservação do patrimônio e da moralidade pública por intermédio da ação civil pública, tal proteção teria por fulcro a própria Constituição Federal e ainda o artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85, com a redação que lhe foi dada pelo Código de Proteção ao Consumidor – grifos nossos.

Não há dúvidas, portanto, de que o direito a uma administração proba e à conservação do erário, exercitável tendo em vista a utilização dos escassos recursos da sociedade para o bem comum e não para a obtenção de vantagens e privilégios de uma minoria, se insere no contexto dos chamados “direitos metaindividuais”, passíveis de proteção através da ação civil pública.

1.2 Instrumentos de defesa do patrimônio público

Mas a ação civil pública não é o único instrumento de tutela coletiva, pois, se os interesses em questão são “difusos”, não se pode falar em instância ou órgão que os devesse representar em termos de exclusividade. Na linha dos ensinamentos de Rodolfo de Camargo Mancuso3, (...) estamos hoje a caminho de superar a concepção de democracia representativa, para ascendermos à chamada ‘democracia participativa’, onde a existência de representantes eleitos não exclui a participação dos cidadãos em geral, isoladamente ou em grupos. A gestão da coisa pública é, significativamente, uma ‘res publica’, de modo que todos os integrantes da comunidade têm título para dela participarem. Acresce a essa tendência a constatação dos reiterados desmandos e arbitrariedades na gestão da coisa pública, que vêm levando os indivíduos a descrerem da eficácia do modelo-político institucional estabelecido. Daí a propensão popular, cada vez mais justificada, à participação direta na gestão da coisa pública.

Por isso, de acordo com o inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

E, naquilo que se batizou como “legitimação concorrente e disjuntiva”, a legitimidade do cidadão para a ação popular não exclui a do Ministério Público ou de outro legitimado da Lei nº 7.347/85 para a ação civil pública, e vice-versa, ou seja, qualquer dos legitimados pode agir de modo autônomo, independentemente da concordância ou atividade do outro. Aliás, não seria plausível que um único indivíduo pudesse impugnar judicialmente ato administrativo lesivo ao erário e não o Ministério Público, agindo como órgão de defesa de toda a coletividade.

Para espancar de vez quaisquer dúvidas decorrentes da intercomunicação dos objetos das duas ações, registre-se que o artigo 25, IV, alínea “b”, da Lei Federal nº 8.625/93, além de corroborar a legitimação do Parquet para as ações ressarcitórias de danos ao erário (CF, art. 129, III; Lei 7.347/85, art. 1º, IV), também alarga o âmbito dessa legitimação, permitindo-lhe também o ajuizamento de ações e medidas cujo objeto seja simplesmente “a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa”, exatamente como na ação popular.

E essa interpenetração existente entre as Leis nº 4.717/65 (ação popular) e nº 7.347/85 (ação civil pública) fica
ainda mais evidente diante do fato de que o Ministério Público, órgão interveniente necessário na ação popular, pode assumir sua titularidade ativa em caso de abandono ou desistência por parte do autor originário (art. 9º da LAP), passando a conduzi-la como se fosse uma verdadeira ação civil pública, mas com plena possibilidade de utilizar os ditames da Lei da Ação Popular.

Vale, a respeito, mencionar arestos do Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO POPULAR E AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO AO ERÁRIO. Interpretação histórica justifica a posição do Ministério Público como legitimado subsidiário do autor na ação popular quando desistente o cidadão, porquanto se valoriza o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis. Se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atinge o interesse difuso, passível é a propositura da ação civil pública fazendo as vezes de uma ação popular multilegitimária. As modernas leis de tutelas dos interesses difusos completam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LAP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio historio, estético, moral, etc.4

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DANO AO ERÁRIO. O entendimento predominante é o de que a ação popular subsumiu-se no bojo da ação civil pública, visto que se expandiu a legitimidade do Ministério Público (CF/88) na defesa dos interesses patrimoniais ou materiais do Estado, entendendo-se como patrimônio não apenas os bens de valor econômico, mas também o patrimônio moral, artístico, paisagístico e outros. Obra pública sem licitação, ou com licitação ilegal, pode sofre a censura judicial, via ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público. PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO ERÁRIO. LEGITIMIDADE. 1. Impossível, com base nos preceitos informadores do nosso ordenamento jurídico, deixar de se reconhecer ao Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de proteger patrimônio público, especialmente, quando baseia o seu pedido em prejuízos financeiros causados a ele por má gestão (culposa ou dolosa) das verbas orçamentárias. 2. “Com efeito, não poderia a Ação Civil Pública continuar limitada apenas aos interesses difusos ou coletivos elencados em lei ordinária, quando preceitua a Carta de 1988, que é função do MP promover ‘Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses coletivos ou difusos’ (art. 129, III), ‘tout court’ (e não os ‘interesses coletivos e difusos indicados em lei” (Milton Flacks, in Rev. For. v. 32, Pp. 33 a 42). 3. Nem mesmo a ação popular exclui a ação civil pública, visto que a própria lei admite expressamente a concomitância de ambas - art. 1º (Hely Lopes Meirelles, p. 120, Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, RT - 12ª edição). 4. Precedentes jurisprudenciais entre tantos outros: REsp 98.648D MG, Rel. Min. José Arnaldo, DJU de 28.04.97; REsp 31.547-9D SP, rel. Min. Américo Luz, DJU de 8.11.93, pg. 23.5.46. (...).

1.3 Ação por ato de improbidade como instrumento preferencial de atuação do Ministério Público

Mas é claro que, diante do enunciado do princípio da obrigatoriedade mitigada, que rege a atuação do Ministério Público no processo civil7, frente à constatação da ocorrência de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, é claro que deverá o Órgão Ministerial utilizar o instrumento legal que, pelo menos em potencial, produzirá melhores resultados em prol do interesse público primário.

Daí porque o ajuizamento de ação por ato de improbidade administrativa, objetivando a aplicação das sanções
previstas na Lei nº 8.429/92, prefere ao ajuizamento de simples ação civil pública ressarcitória, pois a primeira, além de buscar a reparação dos danos causados ao erário (objetivo único da segunda), ainda possibilita a aplicação de uma série de outras medidas, tais como a imposição de multa civil, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, etc.

E é a própria Lei de Improbidade Administrativa que leva a conclusão nesse sentido ao estabelecer, no § 1º de
seu artigo 17, vedação para transação, acordo ou conciliação em torno de seu objeto – e se este não pode ser objeto de transação, por muito mais razão não pode o Ministério Público, diante da ocorrência de ato de improbidade administrativa, optar por ajuizar ação onde não seja formulado pedido de condenação nas sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92.

Verificada a ocorrência de danos causados ao erário, ficaria a ação civil pública ressarcitória reservada apenas para as hipóteses de decurso do prazo prescricional para as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, de acordo com as regras de seu artigo 23.


Constata-se, portanto, que, diante da ocorrência de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, três ações diferentes podem ser ajuizadas: ação popular, ação civil pública e ação por ato de improbidade administrativa, o que pode levar, inclusive, à reunião de processo por haver identidade entre as causas de pedir (art. 103 do CPC). São nesse sentido as letras de Sérgio Shimura: Em outras palavras, a ação popular e a ação civil de responsabilidade por ato de improbidade não se repelem, nem se excluem. Ambas servem de veículo de exercício da cidadania e, portanto, de controle jurisdicional sobre atos lesivos ao erário.

2 MICROSSISTEMA DE DIREITO PROCESSUAL COLETIVO

Em verdade, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, foram introduzidas importantes modificações no âmbito do processo coletivo, aperfeiçoando-se as regras que já existiam desde 1985 na Lei da Ação Civil Pública. Assim, pode-se dizer que a conformação constitucional da tutela coletiva somada às regras próprias da Lei da Ação Popular, da Lei da Ação Civil Pública, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Improbidade Administrativa, dentre outras, constitui um regramento comum a todo processo coletivo.

Registre-se que a Lei nº 8.078/90 incluiu na Lei nº 7.347/85 o artigo 21, segundo o qual “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”. Por coerência, o artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor também deixa claro que se aplicam às ações coletivas nele previstas as disposições da Lei da Ação Civil Pública, estabelecendo uma perfeita integração entre as duas legislações. A partir daí a doutrina e a jurisprudência passaram a reconhecer a existência de um sistema integrado de tutela dos interesses metaindividuais, ou seja, um “microssistema processual para as ações coletivas”, sendo aplicáveis entre si, no que for compatível, os regramentos da ação popular, da ação civil pública, da ação por ato de improbidade administrativa e mesmo do mandado de segurança coletivo.

Assim, pela interpenetração de suas regras (salvo disposição em sentido contrário), esse microssistema deve servir de parâmetro para toda e qualquer ação coletiva, podendo seus instrumentos processuais ser utilizados para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Mais particularmente no que toca à tutela do patrimônio público, temos no âmbito coletivo três tipos de ações que podem ser prestar a tal finalidade, a saber: a ação popular, a ação civil pública e a ação por ato de improbidade administrativa. Essa identidade de objetivos também gera uma interpenetração entre seus regramentos, falando a jurisprudência em um “microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública”:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE. CAPACIDADE POSTULATÓRIA. ARTIGO 25, IV, “B”, DA LEI 8.625/93. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ARTS. 127 E 129 DA CF/88. PATRIMÔNIO PÚBLICO. DEVER DE PROTEÇÃO. 1. A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público o status de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 129, caput). 2. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses públicos patrimoniais e sociais, ostentando, a um só tempo, legitimatio ad processum e capacidade postulatória que pressupõe aptidão para praticar atos processuais. (...) 4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 5. Destarte, é mister ressaltar que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis, na forma da recentíssima súmula nº 329, aprovada pela Corte Especial em 02.08.2006, cujo verbete assim sintetiza a tese: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público”. (...) 10. Deveras, o Ministério Público, ao propor ação civil pública por ato de improbidade, visa a realização do interesse público primário, protegendo o patrimônio público, com a cobrança do devido ressarcimento dos prejuízos causados ao erário municipal, o que configura função institucional/típica do ente ministerial, a despeito de tratar-se de legitimação extraordinária. (...) 12. Recurso especial desprovido9 – grifos nossos.

3 A RETENÇÃO DOS VENCIMENTOS DE AGENTE PÚBLICO, TOTAL OU PARCIALMENTE, EM AÇÕES POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO MEDIDA DE URGÊNCIA

Nessa linha, de acordo com o § 3º do artigo 14 da Lei da Ação Popular, Quando o réu condenado perceber dos cofres públicos, a execução far-se-á por desconto em folha até o integral ressarcimento de dano causado, se assim mais convier ao interesse público.

Temos, assim, no procedimento previsto para a ação popular, mais uma forma de se alcançar a satisfação do direito de crédito, além da clássica expropriação de bens: o desconto em folha de pagamento, que pode perfeitamente ser aplicado também nas ações civis públicas e nas ações por ato de improbidade administrativa, pelos motivos já consignados. É exatamente nesse sentido, aliás, inclusive com expressa referência ao dispositivo invocado, a lição de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:

Para solucionar um problema de processo coletivo, em uma ação civil pública, o caminho deve ser mais ou menos o seguinte: a) buscar a solução no diploma específico da ACP (Lei Federal nº 7.347/85). Não sendo localizada esta solução ou sendo ela insatisfatória: b) buscar a solução no Tít. III do CDC (Código Brasileiro de Processos Coletivos). Não existindo solução para o problema: c) buscar nos demais diplomas que tratam sobre processos coletivos identificar a ratio do processo coletivo para melhor resolver a questão. Podemos referir, entre muitas hipóteses, a três situações passíveis de demonstrar a unidade de tratamento: a) efeitos em que a apelação é recebida nos processos coletivos (art. 14 da LACP); b) conceito de direitos coletivos lato sensu (direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, art. 82 do CDC); c) possibilidade de execução por desconto em folha de pagamento (art. 14, § 3º, da LAP) – sem grifos no original.

Aqui deixa a lei claro que tal modalidade deve ser utilizada a bem do interesse público, pois o mais importante é reparar os danos causados ao erário, não podendo prevalecer, in casu, os interesse do particular que se locupletou ilicitamente usando recursos públicos.

É sabido que, no âmbito de ação por ato de improbidade administrativa, aplicando-se os regramentos do microssistema de Direito Processual Coletiva, é lícito ao juiz conceder liminar, a título de antecipação da tutela, quando for relevante o fundamento da demanda e houver justificado receio de ineficácia do provimento final (art. 12, caput, da Lei nº 7.347/85 c/c art. 84, § 3º, da Lei nº 8.078/90).

Demonstrado prima facie o desvio de verbas públicas, a relevância do fundamento da demanda fica mais do que patente, não apenas em razão da repercussão dos fatos, mas também pelo prejuízo social gerado pelo rombo nos cofres públicos, já que são escassos os recursos destinados a projetos que atendam as necessidades básicas da população. Também o justificado receio de ineficácia do provimento final se fará presente, pois a prática demonstra que, no futuro, dificilmente serão encontrados bens em quantidade e valor suficiente para reparar os danos causados ao erário. Ademais, em caso de procedência integral do pedido formulado na inicial, é forte a possibilidade de o requerido da ação por ato de improbidade administrativa sofrer a sanção da “perda da função pública” (art. 12 da Lei nº 8.429/92), o que inviabilizaria a efetivação do julgado através do desconto em folha de pagamento após o trânsito em julgado da sentença (§ 3º do artigo 14 da Lei nº 4.717/65).

Esse panorama possibilita ao Juízo, a qualquer tempo, conferir condições de eficácia plena ao seu conteúdo, principalmente pela via da antecipação de tutela, posto que a hipótese analisada induz à presença dos requisitos da urgência e da verossimilhança da alegação11. Na ação por ato de improbidade de nada adiantaria esse poderoso instrumento sem a concessão da antecipação de tutela, pois, como dito, a decretação da perda do cargo impediria a utilização dessa modalidade executiva.

Pela redação dada ao § 3º do artigo 273 do CPC pela Lei nº 10.444/02, a efetivação da tutela antecipada se dará no mesmo processo já em curso e nos moldes da execução provisória da sentença, observando-se a previsão contida nos artigos 588, 461, §§ 4º e 5º e 461-A do Estatuto Processual Civil. Fica o Magistrado, assim, autorizado a adotar todas as medidas necessárias à implementação da medida, resguardando-se, obviamente, a reversibilidade da providência com o depósito dos valores em conta judicial remunerada até o trânsito em julgado da sentença.

Vale, aqui, o ensinamento de Luiz Fux12, perfeitamente ajustável à tese aqui defendida: Até mesmo quando, excepcionalmente, compreenderem imposições de pagamento de somas de dinheiro (como, v.g., nos alimentos provisionais, outros pensionamentos similares, participações em rendas comuns, etc.), as medidas antecipatórias, se possível, dispensarão o rito das execuções por quantia certa, e, conforme o caso, poderão ser efetivadas por meio de averbação em folha de pagamento, retenção de receitas, ou bloqueio de somas junto a devedores do responsável pela prestação envolvida na medida antecipatória – grifos nossos.

Mas há, ainda, uma outra vantagem decorrente da providência proposta: com a retenção de parcela ou de totalidade dos vencimentos, conforme o caso, seriam evitadas manobras e chicanas processuais tão utilizadas pelos requeridos em processos quem envolvem a apuração das responsabilidades por ato de improbidade administrativa, pois o demandado, assim como o Ministério Público, passaria a estar diretamente interessado na solução do litígio no menor lapso temporal possível, mitigando os efeitos deletérios decorrentes do chamado dano marginal13. É nesse sentido a lição de Luiz Guilherme Marinoni14, No caso de tutela antecipatória de soma em dinheiro fundada em cognição sumária aplicam-se as normas do processo de execução como ‘parâmetro operativo’, porém prescindindo-se da necessidade de citação. (...) É preciso que se perceba que a antecipação, exatamente porque o réu deixará de ter a seu favor a demora do processo, inibirá as defesas abusivas (usadas, comumente, para a obtenção de vantagens econômicas) e favorecerá a conciliação, efeito benéfico que foi notado, por Roger Perrot, na França. No caso de abuso do direito de recorrer, a antecipação, mais do que acelerar, em cada caso concreto, a realização do direito do autor, terá efeito pedagógico importante, pois desestimulará os recursos meramente protelatórios, que não só são muito comuns como, também, muito custosos – grifos nossos.

Ressalte-se, por derradeiro, que a medida poderá ser aplicada independentemente da formulação de pedido de afastamento do agente público requerido do exercício do cargo que ocupa, podendo, se for o caso, até coincidir com tal postulação, hipótese em que não prevalecerá a regra prevista no parágrafo único do artigo 20 da Lei nº 8.429/92 quanto à manutenção da remuneração.

CONCLUSÕES

1. A preservação do erário constitui espécie de direito difuso, passível de defesa, via de conseqüência, por qualquer das modalidades de ação coletiva, ou seja, por via de ação popular, de ação civil pública e de ação por ato de improbidade administrativa;

2. A legislação em vigor que trata dos direitos metaindividuais gerou um sistema integrado de tutela desses direitos, ou seja, um “microssistema processual para as ações coletivas”, sendo aplicáveis entre si, no que for compatível, os regramentos da ação popular, da ação civil pública e da ação por ato de improbidade administrativa;

3. Em ação por ato de improbidade administrativa é possível a formulação de pedido de tutela de urgência consistente na retenção total ou parcial de vencimentos do agente público requerido, com desconto em folha de pagamento, tomando-se por base o disposto no § 3º do artigo 14 da Lei da Ação Popular;

4. Preenchidos os requisitos de lei e deferido o pedido liminar, a efetivação da tutela de urgência se dará no mesmo processo já em curso e nos moldes da execução provisória da sentença, ficando o Magistrado autorizado a adotar todas as medidas necessárias à implementação da medida, resguardando-se, obviamente, a reversibilidade da providência com o depósito dos valores em conta judicial remunerada até o trânsito em julgado da sentença.