quarta-feira, 21 de abril de 2010

Crimes e penas de bagatela




Recentemente me deparei mais uma vez com a argumentação de um excelente advogado aqui da comarca. Alegava ele que, no caso de porte (não posse) de pouca quantidade de munição, pelo princípio da proporcionalidade e diante da bagatela, deveria ser o réu absolvido.

Compreendo a argumentação, mas não posso concordar. Não pelo menos sem uma adequação importante.

De fato, é um pouco grave demais a pena para o crime de porte de munição. O fato é tipificado pelo art. 14 do Estatuto do Desarmamento e tem pena mínima de dois anos de reclusão. Se o sujeito é pego com muita munição – digamos uns mil cartuchos de 38 – recebe a pena entre dois e quatro anos. Se, por outro lado, é pego com apenas um cartucho, recebe pena semelhante: de pelo menos dois anos. Imaginem, ainda, que se trate de munição de uso restrito. A pena mínima neste caso vai para três anos de reclusão.

Está clara a desproporcionalidade. Qualquer um sabe que por vezes as pessoas, na maior ingenuidade, transportam munição sem causar grandes riscos sociais. Acham na rua uma “bala” e passam a carregar no bolso, até mesmo como amuleto. Noutros casos, encontram munição dentre as heranças de um parente falecido e transportam para sua própria residência. Enfim, diversas situações podem ocorrer.

É claro que, como o crime não exige dolo específico (“com o fim de”), não há exclusão da tipicidade nem mesmo nestes casos. O dolo genérico basta: dolo de transportar munição. O desconhecimento da lei não é reconhecido e, diante de tantas campanhas na mídia, é até mesmo vergonhoso para o advogado alegar o erro de proibição ou de direito.

Agora, tirando as situações hiperbólicas – porte de um cartucho, por exemplo – as situações intermediárias ou brandas podem ter duas soluções, que eu classificaria em (i) solução senso-comum; e (ii) solução ponderada.

A solução senso-comum é absolver pelo princípio da bagatela, pela desproporcionalidade, por pena, pelo princípio do coitadinho ou por qualquer outro motivo. Simplesmente absolver. Quer dizer: mesmo sabendo da proibição legal, o sujeito transporta, digamos, cinco cartuchos calibre 38 pela cidade e, no máximo, vai pagar os honorários de seu advogado, quando o próprio Estado não o fizer.

A solução ponderada, e portanto, a mais adequada, na minha opinião seria dar uma pena efetivamente proporcional ao crime. Uma pena de bagatela, que seja, se o crime for considerado assim tão pequeno. E a pena, então, poderia, neste caso, cair abaixo do mínimo legal. Que tal uma pena de seis meses de reclusão (substituída por prestação de serviços à comunidade), por exemplo? Seria efetivamente muito mais justo, muito mais ponderado, do que simplesmente absolver.

Se estamos diante da possibilidade de duas subversões ordem jurídica, que optemos pela menor. Ao invés de absolver um culpado, em nome da Justiça, que diminuamos a pena abaixo do mínimo legal. A um só tempo se atenderá de forma justa aos dois fatores: pena justa e lei cumprida. Do contrário, vamos apenas descumprir a lei, absolvendo, sem reconhecer o erro do sujeito para, no mais das vezes incentivá-lo a novas condutas delituosas. É preciso, parafraseando Dworkin, levar os direitos a sério. Nem só ao réu, nem só à sociedade. A justiça está no meio termo.