domingo, 4 de julho de 2010

Direito da Colônia




Há tempos sigo intrigado com as cada vez mais numerosas citações doutrinárias (“doutrina”?) estrangeiras nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal. Parece que atualmente o direito alemão, o direito italiano e o direito europeu em geral são melhores para o Brasil do que o direito brasileiro em si.

Essa tendência, todos sabem, não é nova nesta ainda hoje colônia chamada Brasil. Quem estudou por Caio Mário da Silva Pereira, Humberto Theodoro Júnior, Carvalho Santos e outros tantos sabe bem do que estou falando. Se fosse para citar alguma coisa, lá vinham franceses, alemães e italianos, invariavelmente.

O que eu gostaria de saber é se o direito, ciência eminentemente social, pode ser igualmente aplicado de lá para cá como tem feito o Supremo Tribunal Federal e de resto o Judiciário brasileiro. Será que a ponderação dos alemães tem o mesmo significado aqui? Será que a urgência dos italianos é a mesma daqui? Será que os princípios do direito administrativo francês devem ser os mesmos aqui? Parece claro que não. Mas por que então continuar citando, transcrevendo, balbuciando palavrões enormes em alemão se nosso país tropical não é tão abençoado por Deus como os da Europa?

Lá vêm novamente nossos grilhões culturais, que ainda não conseguimos largar. Desde as tentativas de Rui Barbosa, de Teixeira de Freitas, desde que o samba é samba é assim. Achamos muito mais bonito citar um Hermann do que citar um Silva. É muito mais pomposo falar de provvedimenti d'urgenza do que falar simplesmente em liminar. E chique mesmo é dizer (e pronunciar bonito) astreinte do que humildemente mencionar a boa e simples multa. Isso sem falar no caquético latinório, língua que entre os juristas consegue a façanha de ressuscitar criando novas expressões que jamais foram ditas pelos juristas romanos!

Essa colonização jurisprudencial não tem apenas um efeito estético negativo. Tem também um efeito prático terrível. Se aprendemos o direito através dos alemães, franceses e italianos, mas não temos uma sociedade igual à deles, acabamos entrando num vicioso túnel em que tratamos nossa sociedade com regras feitas para pessoas que não precisam de catraca em ônibus ou metrôs, que transitam ferrovias impecáveis e que respeitam qualquer placa de limite de velocidade. E aí, meus caros, dá no que dá. E basta sair às ruas (boa Ministro Joaquim!) para entender o que eu digo.

O direito brasileiro fica assim refém dos conceitos dos colonizadores jurídicos modernos. Tem que pagar o quinto (lembram daquele imposto que indignou Tiradentes?) abdicando de sua liberdade de criação jurisprudencial, que deveria justamente atentar para a interpretação do direito e das leis na sociedade brasileira, podando os excessos e atuando com firmeza onde necessário. Não seria daí o motivo pelo qual não temos no Brasil praticamente condenações por litigância de má-fé? Não seria por isso que o inconsequencialismo processual faz com que haja um processo para cada quatro catarinenses em média? Não seria por isso que devedores contumazes preferem pagar somente em juízo? Acho que sim.

Auf Wiedersehen! Au revoir! Arrivederci!