O STF deu mais um exemplo de hermetismo social na semana passada. Por votação apertada, considerou inconstitucional artigo da Lei Antidrogas que veda a aplicação de penas alternativas aos condenados por tráfico de drogas.
Provocado pelo Arthur Losekan, meu colega de mestrado, sou obrigado a comentar a decisão. Ele promete que vai fazer o mesmo, ainda hoje no seu blog. A briga vai ser boa!
Quem lê este blog há algum tempo já sabe: sou fã de carteirinha do Min. Joaquim Barbosa. Pois não é que de novo meu ministro preferido foi quem iniciou o voto divergente e tratou do assunto como realmente deve ser tratado. Disse ele, com outras palavras, que lugar de traficante é na cadeia, e não prestando serviços nas escolas da comunidade. Aliás, você quer uma balinha?
Disse também o Joaquim (já sou íntimo dele) que a realidade brasileira, que ele conhece muito melhor do que os outros ministros que “não saem às ruas”, exige uma sanção mais grave para os traficantes. Basta ver, por exemplo, as cenas da cracolândia para concordar com ele. Famílias inteiras estão mortas-vivas, fumando crack dia e noite até serem recolhidos pela prefeitura.
Aliás, também conforme nosso ministrão, em várias hipóteses de crimes, mesmo menos graves que o tráfico, a legislação veda a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos... e até hoje o Supremo Tribunal Federal não declarou o Código Penal inconstitucional. Vejam, por exemplo, que qualquer – qualquer mesmo! – crime cometido com violência à pessoa proíbe a substituição da pena: art. 44, I, do Código Penal. Também nos casos de réus reincidentes não é possível a substituição por restritivas de direitos (art. 44, II).
Agora me diga uma coisa, bem sinceramente: você acha mais grave o roubo de R$ 50,00 ou o tráfico de drogas? Você acha mais grave um segundo furto na vida de um ladrão ou vender crack para crianças de rua? Você acha mais grave lesões corporais num acidente de trânsito, quando o réu já foi condenado por um estelionato, ou vender droga para um adolescente na faculdade?
Pois se você é como eu e está com os pés no chão, na sua cidade, vendo a cada dia cenas mais dantescas de violência e crimes praticados por viciados em crack, você provavelmente vai responder que acha mais grave o tráfico de drogas.
A maioria dos ministros, com argumentação vinda das colinas alemãs, das universidades francesas, das mesas de vinhos portugueses, no meio das mordomias e dos puxassaquismos milionários em Brasília, mas longe, muito longe da farinha com água dos brasileiros, acha o contrário. Para eles, o tráfico não é tão grave assim.
E outra, Arthur!
Não sei se você viu que o escorregadio Gilmar Mendes tratou logo de jogar na imprensa um argumento absurdamente falacioso. Além de utilizar ainda o português de Portugal (sem gerúndio), demonstrando o quão “brasileiro” ele é, o ministro Gilmar tratou logo de dizer que não vai haver liberação geral dos presos por tráfico e jogar a responsa para os juízes: “O tribunal está a impedir que se retire do juiz o poder dessa avaliação [se cabe ou não a liberação]”.
Ah, essa ficou linda para o Supremo Tribunal Federal: dizem que é inconstitucional proibir por lei a substituição nos crimes de tráfico, mas, falaciosamente, dizem que declararam a inconstitucionalidade para dar mais poder aos juízes!!!!
Tá bom, tá bom. Ora, quem lida no dia a dia dos fóruns e dos tribunais sabe muito bem do que estou falando. Se o Supremo Tribunal Federal decidiu que é inconstitucional vedar a substituição, só com motivos muito fortes – mas muito fortes mesmo – algum juiz do Brasil vai conseguir manter preso um traficante.
Vai ter que pelo menos utilizar umas cinco laudas para justificar o que é óbvio para a maioria dos brasileiros, porque os tribunais, todos sabem, exigem mais do juiz do que do próprio réu. Se o réu não justifica alguma coisa... coitado, é culpa do sistema. Se o juiz não justifica... olha o processo administrativo aí gente! E dá-lhe CNJ.
Para terminar. Prometo!
O Supremo Tribunal Federal está perto demais do Congresso Nacional. Acho que deveriam voltar para o Rio de Janeiro. Ali, muito perto dos deputados, ficam meio confusos. Acham que podem legislar e dizer o que a lei pode ou não pode conter. Estão passando dos limites.
Representantes eleitos pelo povo – ainda que haja imperfeições no processo, eu sei disso! – são afinal de contas quem diz o que é lei e o que não é lei no país. Mas o Supremo cada vez mais desconhece o limite de seu pátio e vai jogar bola no quintal do vizinho. E daí, passa a dizer que há “falta de cuidado do legislador”, ou que “não há liberdade para o legislador neste espaço que é de direito fundamental”.
Tá bom. E me digam: o que é direito fundamental para o Supremo Tribunal Federal? Claro, tudo o que o próprio Supremo Tribunal Federal disser que é direito fundamental, inclusive o que não está na constituição como direito fundamental, menos, é claro, os direitos sociais, que nunca são autoaplicáveis. Entenderam?! Trocando em miúdos: eu sou o dono da bola e vocês jogam como eu quiser!
Francamente, pelo menos o princípio democrático deve ser respeitado no país. Se há uma Constituição, e se o Supremo Tribunal Federal é o “guardião” dessa constituição, deveria respeitar o Legislativo. São os deputados e senadores que, depois de ouvir nas bases a população, depois de fazer campanha indo de casa em casa nos bairros, depois, enfim, de contatos com vereadores, prefeitos, líderes comunitários, são eles que, queiram os ministros ou não, decidiram que o tráfico é um dos maiores males da sociedade moderna e deve ser punido exemplarmente.
O Congresso deve sim receber um mínimo de respeito e de confiança. Não ministros que nunca estiveram num fórum na vida e que só ouvem advogados ricaços com hora marcada...
Assista aqui a vídeo sobre a cracolândia, de São Paulo. Depois me diga: o que é mais grave, o homicídio ou o tráfico?