Pizzaria em Florianópolis. No banheiro, uma quantidade fora do normal de alertas colados na parede. “Depois do uso, dê a descarga”, “jogue o papel no lixo” e “não urine no chão”.
Naquele momento de intimidade, só eu, meu xixi, e toda aquela informação, fiquei confuso. Rodaram na minha mente diversas informações e, uma delas, a imagem da nossa gloriosa e extensa Constituição. Lembrei do art. 37.
Lá está escrito que a administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência. Precisaria estar escrito isso? Eficiência, legalidade e moralidade, você leu bem. Isso precisaria estar no papel? O alerta do banheiro, no fundo, é tão inútil quanto o alerta da Constituição.
Viajando durante aquele xixi, imaginei um professor de direito, daqueles bem formais, que usam mesóclise e tudo, pregando a seus alunos.
- Senhoras e senhores, hoje analisaremos os princípios da administração. Analisa-la-emos, melhor dizendo. Abram a Constituição no art. 37. Quem não a tem juntar-se-á ao colega do lado. Você, qual é mesmo seu nome? Leia-a, por favor.
A leitura começa. Com um gesto de maestro regendo sua orquestra, o professor interrompe o aluno na palavra-chave.
- Isso mesmo. Aqui temos a legalidade: a regra é clara. Dê a descarga para ninguém entortar o nariz quando chegar depois de você. Num país tropical, então, mais importante ainda. Para não subir o cheiro para o restaurante. Cumpra a lei de seu país e aperte a droga da descarga logo. Faça como tem que ser feito. Simples.
O aluno continua. Nova interrupção, esta um pouco mais sonolenta.
- Muito bem. Moralidade: não se corrompa. Se você corrompeu o papel, dê um destino adequado a ele. Enterre o coitado, já sofrido, no cemitério dos papeis, junto de seus entes, daqueles que lhe são queridos. Seja honesto, ponha cada papel no seu devido lugar, inclusive o dinheiro, que, se não está no seu bolso, provavelmente não te pertence.
E, arrematando a leitura do artigo, com ar superior:
- Este último é o mais importante. Eficiência: não urine no chão. Mire bem direitinho, no lugar certo, e atinja o alvo. Nenhuma gota para fora, todas para dentro. Faça bem seu trabalho. Não desperdice o tempo da faxineira que vai limpar a lambuzeira que você fez.
Fim da aula, meu xixi acaba. É hora de retornar à mesa. A pizza já deve estar chegando.
Será que coisas tão básicas precisam ser enunciadas mesmo? Precisamos de alguém para nos dizer no banheiro quais as regras para viver em sociedade? Precisamos a Constituição enunciando princípios tão evidentes como a legalidade, a moralidade e a eficiência? E lembram que chegou a ser necessária (?) uma emenda constitucional para incluir a “eficiência” como princípio constitucional? Até então não era princípio? Até então não precisavam ser eficientes!?!?!?!
Da mesma forma que a água suja, o papel e o xixi devem evidentemente ir para seus devidos lugares, sem que ninguém me diga isso, o mesmo deveria ocorrer com os princípios constitucionais. Que país é este em que precisamos de normas tão básicas de convivência social estampadas em todos os cantos?
No fim, a lição é uma só. Cartaz no banheiro e constituição: ambos dizem o que não precisa ser dito, para quem precisaria, mas não quer saber.