sexta-feira, 18 de março de 2011

Injustiça restaurativa - II


Juiz – Boa tarde, seu Claudino, tudo bem com o senhor?

Claudino – (Olha para o chão, mexe os dedos...) – Sim, senhor.

Juiz – Que bom, é o primeiro passo para a restauração da paz. E o senhor, seu João?

João – Na boa, mano.

Juiz – Seu João, eu já lhe conheço de algum lugar?

João – Claro, magistrado, eu vim aqui em dezembro, pra uma outra "restaura". E depois o senhor me soltou em fevereiro também. Um cinco sete, mão armada, na saída do shopping, tá ligado?

Juiz – Ah, lembrei. Bom... Seu Claudino, esta audiência é para restaurar a paz entre vocês. Para o senhor expor o seu sentimento para o João e ele expor os motivos que o levaram ao crime contra o senhor. É a oportunidade de o João pedir...

João – Doutor, eu peço perdão sim. Peço desculpa. Seu Claudino, eu peço perdão pro senhor, viu?

Claudino – (Olha para o chão, tamborila nas pernas) – Si... sim.

Juiz – Seu João, o senhor pode explicar os motivos do seu ato?

João – (com um colar de ouro e um relógio importado no pulso, tênis Nike original) - Seu juiz, eu tava desempregado fazia cinco anos, sem comida em casa, daí comecei a roubar os grã-fino na saída do shopping. Calçava eles com uma ponto quarenta que roubei de um polícia. Era pra gente sobreviver que eu roubava.

Juiz – Seu Claudino, e o senhor, como se sente?

Claudino – (rosto ruborizado, orelhas idem) – Eu também fiquei desempregado... Eu tava.... estava saindo do sho... shopping. Era o final do meu primeiro mês de traba... trabalho. Era aniv... aniversário do meu filho. Eu tinha R$ 545,00 no bol... no bolso. Meu salário do mês...

Juiz – O senhor se sentiu muito mal, senhor Claudino?

Claudino – (olha incrédulo para o juiz) – Si... sim...

Juiz – O senhor entende as razões do seu João?

Claudino – (olha para o João, olha para as tatuagens no braço, uma caveira e um tacape, João olha firme para Claudino) – Entendo... mas... (longo silêncio).

Juiz – Então estamos indo bem! Claudino, o senhor perdoaria João?

Claudino – (nem olha para João) – Si... sim. E o meu salário?

Juiz – João, o senhor se compromete a devolver ao seu Claudino o dinheiro?

João – Claro, excelentíssimo. Só preciso de um prazo, sabe como é, estou desempregado.

Juiz – Em trinta dias, pode ser?

João – Sem dúvida, Excelência. Podexá comigo que a gente providenciemo.

Juiz – Está bom para o senhor, seu Claudino?

Claudino – (já com olhar de tudo-está-perdido) – Si... sim...

Juiz – Vocês agora podem se apertar as mãos. A Justiça foi restaurada!

Assinam a ata de audiência. O juiz manda o processo para o arquivo. Um a menos.

Na saída da sala de audiências...

João – (em pensamento) – Gostei desse juiz. E esse otário, nunca vai ver a cor da grana. Seu deu mal!

Claudino – (em pensamento) – Vou mudar de cidade...

Juiz - (em pensamento) - Hoje até que foi fácil, que bom quando tudo dá certo!