No que diferem os crimes de roubo, furto, estelionato, homicídio, estupro, lesões corporais, tráfico com os crimes de trânsito?
Se for olhar bem a fundo (ontologicamente, diria o professor), são todos crimes. Condutas humanas criminalizadas pelo direito penal.
Mas, como já foi dito em outra postagem aqui, Jurista no volante, perigo constante, quando o caso é de crime de trânsito, a coisa muda de figura. Ninguém reconhece, ninguém dá o braço a torcer, mas a verdade nua e crua é: juízes, promotores, advogados, desembargadores, deputados, senadores, enfim, brasileiros em geral, andam rápido demais.
Se a placa diz 40 km/h, não importa. "Dá pra andar um pouco mais", dizem. Se a rodovia é daquelas boas, lindas, com acostamento, faixas duplas, acostamento, e a placa diz 100km/h, nós brasileiros lemos: "velocidade ilimitada". Se a placa diz que a velocidade é limitada por radar em 80km/h, o carona logo diz: "pode tocar, está desativado". Fé em Deus e pé na tábua.
E aí começamos a nos acostumar com altas velocidades. Numa rodovia com limite de 80 km/h, ficar atrás de um carro inferior ao nosso a 80km/h é inadmissível. Tenho que ultrapassar, tenho que acelerar, vou ganhar... vou ganhar o quê? Num trecho de 100km/h, andar a 80 ou 90 km/h não vai dar nem 5 minutos de diferença. No primeiro caminhão lento aquele carrinho que você ultrapassou vai chegar. Faça o cálculo! Olhe mais pelo retrovisor.
Como brasileiros em geral andam rápido demais, e como juízes, promotores, etc, são geralmente brasileiros, o resultado é esse argumento implícito em inúmeras decisões: "todos estamos sujeitos a isso". Todos estamos sujeitos - leia-se - a causar acidentes, porque todos andamos rápido demais. Daí que os crimes de trânsito, embora ontologicamente sejam crimes, recebem sempre penas inferiores, recebem tratamento light, paz e amor. Morre um filho único da família: mãe e pai passarão a vida inteira em depressão. Na sentença, pena leve para o assassino, que andava a 120 km/h numa via de 60km/h. 700h de serviços comunitários, coitado, foi uma fatalidade. Afinal, todos estamos sujeitos, lê-se nas entrelinhas da sentença; afinal, poderia ser eu...
Pense bem. Que morte no trânsito ocorreria se simplesmente os limites de velocidade - só isso! - fossem cumpridos? Morreria tanta gente se as colisões na BR 282, por exemplo, fossem com carros andando a 60km/h? E nos cruzamentos, aqueles em que a pista é reta, longa e com faixas contínuas, aquele mesmo em que você sempre aproveita para ultrapassar, geralmente ali a velocidade é menor ainda. Sabe por quê? Porque se um carro estiver cruzando e for atingido lateralmente, a morte é certa. Digo: é certa a menos que... a velocidade máxima seja respeitada.
Enfim, trânsito é relativamente simples. É física pura. É a lei da inércia. Se a velocidade for baixa, é mais rápida a desaceleração e, portanto, é mais fácil evitar o acidente. Simples? Ou não?