O problema vem de dentro
Há tempos ouvi (e ouvimos) falar que a ineficiência da Justiça brasileira está nas leis, nos códigos, nos atos legislativos, na falta de juízes e de funcionários, enfim, está fora do Judiciário. Será mesmo? Desde que ouvi isso pela primeira vez venho pensando no assunto. E nos exemplos práticos que a função diariamente fornece cheguei a algumas conclusões. Vou tentar expô-las neste espaço, dividindo em quatro conclusões.
A primeira das conclusões é a de que o problema não é externo ao Judiciário (notem que eu nem chamo mais de “Poder”, pelas razões que veremos a seguir). Está dentro do próprio Judiciário uma cultura de inefetividade impressionante. Parece que nada é feito para ser efetivo. As brilhantes sentenças, muitas vezes recheadas de citações doutrinárias – inclusive estrangeiras, para ficar mais bonito – não são feitas para transformar o mundo, para alterar a relação entre as partes de modo a equilibrá-las e a fazer justiça.
Vejam o exemplo dos recursos. O juiz dá uma liminar para obrigar um banco a instalar portas de segurança. O banco não recorre mas também não instala as portas. Depois, na sentença, o juiz julga definitivamente a causa e condena a empresa a instalar portas de segurança. O banco apela dessa sentença e, vendo que só agora sua decisão vai ser posta realmente em prática, o juiz recebe o recurso no efeito suspensivo!!! Ou seja, a liminar tinha que ser cumprida imediatamente, mas a sentença, que é muito mais que uma liminar, precisa esperar até o recurso ser julgado para se tornar efetiva.
Dia desses o tribunal disse, num recurso da Brasil Telecom, que não poderia compelir a empresa a cumprir uma ordem judicial mediante bloqueio do valor da multa na conta da empresa. Disse que o mais correto era... punir pelo crime de desobediência!!! Isso mesmo, o correto seria punir uma empresa, de capital aberto, por um crime de menor potencial ofensivo, que no máximo vai ser punido com prestação pecuniária de alguns salários mínimos!!!
No primeiro exemplo, isso ocorre aparentemente porque parece mais fácil que outro (o tribunal) decida por fim do que o próprio juiz, que é, por definição, quem deveria decidir. O tribunal só deveria servir para rever a decisão... No segundo exemplo, temos um direito processual meramente conceitual – que opera a partir de conceitos abstratos, e não a partir das consequências práticas das decisões –, exatamente o inverso do que ocorre em outros sistemas processuais contemporâneos. Só pode estar aí uma das razões para tamanha ineficiência.
Quando falo que está dentro do Judiciário, incluo, quebrando a definição, também o Ministério Público. No campo penal, por exemplo, crimes relativamente graves recebem propostas de transação penal de... R$ 100,00! Suspensões condicionais do processo são propostas mediante... comparecimento bimestral ao fórum!!! Vejam só: o réu furta uma televisão de sua casa e o promotor propõe, como “pena”, que ele se apresente a cada dois meses no fórum...
A cultura da inefetividade, ou seja, de não mexer muito na vida real, para não dar confusão, para não criar polêmica, mantendo o processo "ágil" e... ineficiente, está muito arraigado na cultura jurídica nacional.
Contra essa cultura é que devemos lutar. Mas será que mudaremos alguma coisa?