O amplíssimo sistema recursal monocrático
Outro aspecto impressionante da Justiça brasileira é o sistema recursal que hoje poderíamos chamar de amplíssimo sistema recursal monocrático.
A premissa é verdadeira, mas a prática brasileira viola completamente a premissa – e por consequência a lógica do sistema.
Um juiz manda prender um estuprador, digamos, um médico que violentava suas pacientes na cama ginecológica. O advogado faz um recurso para o tribunal e, ao invés de uma câmara julgar (com pelo menos três magistrados, é lógico), quem julga este recurso é um desembargador só, o relator.
Ele tem o poder de soltar ou de manter preso, de corrigir ou manter a decisão de seu colega juiz. Não são três cabeças pensando melhor que uma. É uma cabeça que acha que pensa melhor que a outra, que está lá perto dos fatos. Mas essa regra (de o desembargador poder decidir sozinho, e não em colegiado), vejam só, não está no Código de Processo Penal ou em qualquer outra lei: está na jurisprudência. Confirmo aqui, na segunda tese, a primeira: a ineficiência vem de dentro.
Mas não para por aí. Depois disso, supondo que o cliente continue preso, o advogado faz outro recurso para o Superior Tribunal de Justiça, que, também monocraticamente, por um só de seus ministros, decide se vai reformar ou não a decisão de seu colega desembargador. E o mesmo ocorre até que chegue ao Supremo Tribunal Federal e um ministro, longe, em Brasília, decida ele, sozinho, se os seus três colegas anteriores decidiram corretamente.
Neste caso, nenhum dos três recursos chegou a ser julgado por mais de um magistrado, por uma turma, por uma câmara, por um colegiado, como deveria ser para ser realmente um recurso. E o pior de tudo é que os tribunais superiores, que só deveriam analisar o direito, ou seja, teses jurídicas para ver se estão de acordo com as leis ou com a constituição, entendem-se no direito de analisar os fatos.
O que isso tem a ver com a ineficiência? Tudo! A primeira decisão não foi eficiente, porque dependeu da segunda, que dependeu da terceira, que só se tornou eficiente na quarta decisão, aquela do Supremo Tribunal Federal, o que levou muitas vezes mais de seis meses para ocorrer.
Além da ineficiência, um aspecto que não cabe neste tópico, mas é muito interessante, deve ser objeto de reflexão: se as decisões judiciais só se legitimam por serem tomadas de acordo com um prévio procedimento, e se o procedimento correto é o julgamento pelo colegiado, como pode uma decisão tomada por um só relator, uma só pessoa, como pode esta decisão contrariar legitimamente a decisão de um magistrado da comarca, aquele que ouviu as partes pessoalmente e conhece a realidade da comunidade?