segunda-feira, 15 de março de 2010

A ineficiência da Justiça brasileira – 2


O amplíssimo sistema recursal monocrático

Outro aspecto impressionante da Justiça brasileira é o sistema recursal que hoje poderíamos chamar de amplíssimo sistema recursal monocrático.

Aprendemos desde as primeiras lições de Teoria Geral do Processo que os recursos se justificam porque três cabeças pensam melhor que uma, porque o juiz individual é sujeito a erros, porque a revisão é importante e deve ser feita por um colegiado mais experiente.

A premissa é verdadeira, mas a prática brasileira viola completamente a premissa – e por consequência a lógica do sistema.

Um juiz manda prender um estuprador, digamos, um médico que violentava suas pacientes na cama ginecológica. O advogado faz um recurso para o tribunal e, ao invés de uma câmara julgar (com pelo menos três magistrados, é lógico), quem julga este recurso é um desembargador só, o relator.

Ele tem o poder de soltar ou de manter preso, de corrigir ou manter a decisão de seu colega juiz. Não são três cabeças pensando melhor que uma. É uma cabeça que acha que pensa melhor que a outra, que está lá perto dos fatos. Mas essa regra (de o desembargador poder decidir sozinho, e não em colegiado), vejam só, não está no Código de Processo Penal ou em qualquer outra lei: está na jurisprudência. Confirmo aqui, na segunda tese, a primeira: a ineficiência vem de dentro.

Mas não para por aí. Depois disso, supondo que o cliente continue preso, o advogado faz outro recurso para o Superior Tribunal de Justiça, que, também monocraticamente, por um só de seus ministros, decide se vai reformar ou não a decisão de seu colega desembargador. E o mesmo ocorre até que chegue ao Supremo Tribunal Federal e um ministro, longe, em Brasília, decida ele, sozinho, se os seus três colegas anteriores decidiram corretamente.

Neste caso, nenhum dos três recursos chegou a ser julgado por mais de um magistrado, por uma turma, por uma câmara, por um colegiado, como deveria ser para ser realmente um recurso. E o pior de tudo é que os tribunais superiores, que só deveriam analisar o direito, ou seja, teses jurídicas para ver se estão de acordo com as leis ou com a constituição, entendem-se no direito de analisar os fatos.

O que isso tem a ver com a ineficiência? Tudo! A primeira decisão não foi eficiente, porque dependeu da segunda, que dependeu da terceira, que só se tornou eficiente na quarta decisão, aquela do Supremo Tribunal Federal, o que levou muitas vezes mais de seis meses para ocorrer.

Além da ineficiência, um aspecto que não cabe neste tópico, mas é muito interessante, deve ser objeto de reflexão: se as decisões judiciais só se legitimam por serem tomadas de acordo com um prévio procedimento, e se o procedimento correto é o julgamento pelo colegiado, como pode uma decisão tomada por um só relator, uma só pessoa, como pode esta decisão contrariar legitimamente a decisão de um magistrado da comarca, aquele que ouviu as partes pessoalmente e conhece a realidade da comunidade?