sábado, 3 de setembro de 2011

Saída estratégica pela direita


O Leão da Montanha ficou no subconsciente de muitos dos que viveram na década de oitenta. Aquela frase, "saída estratégica pela direita", não era das mais brilhantes, mas, como bordão, colou.


Colou tanto que, mesmo da boca de quem não viveu na década de oitenta continuam saindo "saídas estratégicas" como as do Leão da Montanha. Só que as que eu vejo agora não são mais fugas do caçador. São fugas covardes.

Para fazer justiça não basta ser juiz, promotor, ter caneta na mão. Para fazer justiça é preciso ter coragem. Colocar alguém na cadeia, executar uma sentença, enfim, fazer valer uma decisão, por mais polêmica que seja. É muito fácil simplesmente declarar. E por isso não me chamam atenção as decisões dos tribunais de justiça recheadas de erudição, de palavreado contundente, como se fosse um discurso no palanque de uma universidade. Por trás de uma fundamentação contundente não é raro haver um dispositivo molenga.

Para fazer justiça mesmo basta uma página. Nem mesmo muito bem escrita precisa estar. Já vi inclusive justiça sendo feita com um despacho de uma linha só. O que importa não é o tamanho da sentença, mas sim a justiça que ela proporciona.

Num caso recente, um juiz corajoso bloqueou milhões de uma "dessas" operadoras de telefonia. Mandou restabelecerem um sinal de telefone e ela não cumpriu a ordem. Logo, usou o art. 461, §5º, do CPC e bloqueou uma dinheirama enquanto não fosse cumprida a ordem.

O TJSC, entretanto, encontrou uma "saída estratégica". Para dizer que sabia mais que o juiz, deu nos dedos. Erudição pra cá, verbos arcaicos para lá, e chegou à brilhante conclusão: não cabe o bloqueio de dinheiro (BacenJud). Cabe a prisão por desobediência. 

Certo. Neste ponto você leitor precisa respirar fundo e dar uma pausa. Tome um gole de café, se necessário. Vá ao banheiro antes de seguir adiante.

A saída estratégica do Leão da Montanha é incrível! Ameaçar alguém que descumpre uma ordem judicial de crime de desobediência vale pouco menos do que ameaçar de "queimar no purgatório", vale menos que dizer "você vai se ver comigo". Talvez a ameaça extraterrena seja até mais grave. Mas, para quem ameaça, parece confortável. Imagino o sujeito, chegando na sessão de julgamento: "Colegas, acho que para este caso é pouco bloquear dinheiro; o certo mesmo é prender quem desobedece. Que apodreça na cadeia!!!".

Na prática, como você, que não é Leão da Montanha, já deve ter percebido, o crime de desobediência é muito menos coercitivo do que bloquear dinheiro.


O tipo penal prevê sanção de quinze dias a seis meses de detenção, que admite todas as medidas despenalizadoras do direito penal vigente, incluindo a inviabilidade de imposição de flagrante em caso de compromisso de comparecimento aos juizados especiais, a transação penal, a suspensão condicional do processo, a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, que no caso deve ser substituída por multa de no máximo 360 salários mínimos, e a suspensão condicional da pena.

Em resumo, portanto, se o agente for preso em flagrante por descumprir ordem judicial, será conduzido à Delegacia de Polícia e, se se comprometer (simplesmente se comprometer) a comparecer à audiência preliminar no juizado especial criminal, será imediatamente liberado. No juizado especial, poderá negar a proposta de transação e vir a ser denunciado. Antes do recebimento da denúncia, todavia, terá nova chance de aceitar a suspensão do processo. 

Não aceitando, se efetivamente condenado poderá ter sua pena privativa de liberdade convertida numa simples e irrisória multa. Se não pagar a multa, opera-se a conversão da pena restritiva em privativa de liberdade e a aplicação da sanção será suspensa mediante as condições do art. 77 do Código Penal. Isso tudo se não ocorrer a prescrição no exíguo prazo do art. 109, VI, do Código Penal: dois anos. A ordem descumprida, no entanto, continuará solenemente ignorada pela parte, sem qualquer outra consequência.

Senhores, não optem por saídas estratégicas. Tenham coragem de fazer valer uma ordem judicial. Não sejam apenas "senhores da declaração"; sejam "senhores da efetividade".