sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Parece mas não é: campanha "Não foi acidente"

Tem um site chamado Não Foi Acidente - que inclusive foi divulgado na Ana Maria Braga - fazendo uma campanha para colher assinaturas para um projeto de lei que pretende ser mais rígido com relação aos crimes de trânsito.

Fui logo lá visitar o site com a intenção de divulgar entre os amigos a iniciativa. Mas, primeiro, li o projeto de lei...

Não assinei e recomendo que não assinem! Vejam abaixo o porquê. E vejam também a resposta do autor do projeto à minha sugestão....

MEU E-MAIL

Prezados,

Sou promotor de justiça em Santa Catarina. Tenho trabalhado no combate aos crimes de trânsito. Fui autor de recursos e ações penais que mudaram a jurisprudência do TJSC sobre a embriaguez no volante.

Apenas a título de exemplo, consegui processar motorista que não fez bafômetro e não quis se submeter a perícia médica, mediante testemunhos de policiais e filmagens.

Assisti hoje pela manhã o programa da Ana Maria Braga e me interessei pelo abaixo-assinado. Pretendia distribuí-lo na minha cidade.

Todavia, vejo que o abaixo-assinado, postulando "tolerância zero" nos crimes de trânsito, revoga a infração administrativa. Não compreendi muito bem a intenção do autor do projeto. A infração administrativa ainda é uma excelente forma de punição dos motoristas. Ela não é incompatível com a sanção criminal. Ambas podem - e devem - ser aplicadas concomitantemente. Na minha visão, seria mais importante manter ambas, infração administrativa e infração penal, para punir com ainda mais rigor os motoristas embriagados.

Sugiro ainda que se retire do projeto a expressão "que será encaminhado para a realização do exame clínico", no §4º do art. 302 e no §2º do art. 306. Em muitas cidades não há médico disponível para exame clínico. Os acidentes, além disso, ocorrem muitas vezes em finais de semana, quando o efetivo de médicos tende a diminuir. Exigir que seja encaminhado à realização de exame clínico pode levar a jurisprudência (embora eu não concorde) à interpretação de que a lei exige sempre o exame clínico. Sei que não é esta a intenção do autor do projeto, mas, conhecendo advogados e tribunais como conheço, não tenho dúvidas de que o argumento será utilizado com frequência.

Outra sugestão: entendo que a pena de 5 a 8 anos proposta terá efeito contrário ao pretendido. Compreendo a intenção de tornar mais grave. Todavia, como ocorre em outros crimes (vide 217-A do CP, p.ex.), quando a pena é muito severa a jurisprudência acaba tornando quase impossível a punição.

Explico: é mais fácil para o juiz condenar alguém por embriaguez no volante a uma prestação de serviços longa (3 anos, p.ex.) do que condená-lo a um dia sequer de prisão efetiva. Ao fixar em 5 anos a pena mínima, está-se proibindo ao juiz aplicar a pena substitutiva, ou seja, a prestação de serviços(com o que eu concordo).

Todavia, novamente afirmo, conhecendo os tribunais e juízes como conheço, dificilmente haverá condenação se a pena mínima for de cinco anos. O melhor seria uma pena mínima de 3 anos, para impedir alguns benefícios como a suspensão da pena, mas permitir a imposição de prestação de serviços comunitários quando, dependendo da gravidade do caso, o juiz entender cabível. Fica o juiz, assim, com a opção: PSC ou pena de prisão. Do contrário, não tendo o juiz a opção, fatalmente ele optará pela absolvição quando fosse o caso - no entendimento dele - de prestação de serviços comunitários.

Por fim, vejo que no §2º do art. 302 não se diz se a pena será de reclusão ou de detenção. Como se sabe, somente a pena de reclusão permite prisão preventiva. A pena de detenção é mais branda. Se não permite prisão preventiva, fica praticamente inviável manter uma prisão em flagrante (que não deixa de ser uma modalidade de prisão preventiva).

Sugiro que o §2º do art. 302 seja alterado para deixar claro que se trata de pena de reclusão.

Estou à disposição para a troca de ideias.

Atenciosamente,

A RESPOSTA DO AUTOR DO PROJETO E DA CAMPANHA:

Compreendo a posição do Promotor, porém, entendo de maneira diferente quanto à sanção administrativa e o crime, pois não pode haver o chamado bis in idem. Já com relação à condenação, fatalmente ela deverá ser reformada pelo Tribunal, vez que a Jurisprudência do STJ e STF são unânimes no sentido contrário. Acredito que da forma como está redigida, ainda é o melhor caminho. Acredito que todo comentário no sentido de aperfeiçoar o Projeto é válido. Vamos em frente. Abraços, Mauricio Januzzi