Eis que o cidadão, excelente salsicheiro da Urca, quis tirar a coisa a limpo. Foi tentar compreender o motivo de o objeto de sua profissão ser alvo de um ditado.
E lá está ele, assistindo a uma sessão da Câmara. Não me perguntem o porquê de, nos dias de hoje, alguém parar para assistir uma sessão da Câmara, quando pelo rádio há tanto de melhor. Além deste específico cidadão, outros seis lá estavam, interessados diretamente num dos projetos.
Não me perguntem. Perguntem a Otto Bismark. Ele também devia estar na mesma sessão. E a sessão, senhoras e senhores, começou mais ou menos assim. Um dos nobres edis usou a tribuna para justificar seu projeto, afirmando que sabia haver dificuldades de compreensão pela população, mas que, se realmente fosse identificado algum problema posteriormente, poderiam "tranquilamente" alterar novamente a lei.
"Tranquilamente" alterar uma lei. Esta foi a expressão que o dito cidadão levou para casa e discutiu com sua senhora. Leis, leis, ora, as leis. Pelo que me lembre, dizia o cidadão - que nunca ganha epíteto algum, tal qual o "nobre" edil - lei é algo para perenizar, para estabilizar as relações sociais. Lei tem que durar. Se não dura não é lei; é conversa, que passa de boca em boca e logo se esquece. Tranquilamente, prosseguiu nosso cidadão, estivéssemos num lugar sério, lei alguma poderia ser alterada. Horas de reflexão se fariam necessárias; diálogos, audiências, discussões. Nada a toque de caixa; nada para ontem. Lei é coisa séria, concluiu o cidadão antes do gole de vinho que encerrou o jantar.
E aprovou-se a tal lei. E não é que a indigitada contrariava outra lei aprovada tempos antes pela mesma Câmara? Aí está, lembrou o nobre cidadão - epíteto sim, por que não?: tranquilamente editaram aquela e agoram editam esta também, tudo muito tranquilamente.
Só quem não dorme tranquilo sou eu, disse o salsicheiro: sempre soube como se fazem salsichas e agora sei como se fazem as leis. Mas não vejo nenhuma comparação plausível. As salsichas exigem higiene.
Fonte: Machado de Assis. A semana. 1899. p. 244.