domingo, 20 de maio de 2012

Princípio do menor incômodo

Um princípio de direito muito aplicado atualmente é o do menor incômodo.

Desenvolvido primeiro na Alemanha, pelo Bundesverfassungsgericht, ou simplesmente o Tribunal Constitucional alemão (eu usei o palavrão em alemão para dar uma impressão de que falo uma língua muito diferente e sou intelectualizado) passou a ser adotado pelo Conseil Constitutionnel (idem, para dizer que domino uma língua chique) e agora veio parar no Brasilzão amado!

Por este princípio, toda decisão sobre direitos deve incomodar o mínimo de gente possível. Quer dizer, o mínimo de gente perto de quem decide. Este poderia ser o subprincípio número um. Menor incômodo de quem está perto.

Por exemplo, se uma prisão preventiva incomodar somente e a família de um desconhecido, que mora num bairro afastado da cidade e com quem eu nunca vou cruzar, aí o princípio permite que a prisão seja deferida, sem dores de cabeça, sem incômodo. Se o sujeito for meu vizinho de bairro, gente rica, das mesmas rodas sociais, advogado quem sabe, aí já é diferente. Vai dar muito incômodo prendê-lo, porque logo vai ter habeas corpus, pedido de reconsideração, notas no jornal, fila de advogado na frente da minha porta e, claro, o melhor é não se incomodar com isso.

Este princípio também se refere a medidas justas mas impopulares. Se a lei mandar todos os comerciantes de uma cidade construírem calçadas, o princípio tem grande aplicação. É melhor invocar o princípio do menor incômodo e decidir postergar indefinidamente a aplicação da lei ou, então, utilizar o tradicional jeitinho para impedir que tenha aplicação prática. Exemplos? Vamos a eles.

No primeiro caso, para postergar dá pra afirmar que a lei é de eficácia contida ou inventar algum argumento parecido. Pra quem não conhece, lei de eficácia contida é uma lei que não pega, uma lei que não é lei, porque, se fosse lei, valeria e teria eficácia. Criação dos trópicos, claro!

No segundo exemplo, o bom e velho jeitinho brasileiro. Incomoda menos a mim e a quem sofre a incidência da lei. Logo, é uma forma perfeita de aplicar o princípio. Para o caso das calçadas, ao invés de mandar construir - coisa que vai incomodar muita gente próxima (subprincípio número um: menor incômodo do próximo, lembram?) - o melhor é mandar que as calçadas sejam fiscalizadas por algum órgão sem pessoal suficiente para fiscalizar. Prefeituras geralmente são assim. Logo, para todos os efeitos, mandei a prefeitura fiscalizar. Se não fiscalizou - coisa que eu já sabia que não ia ocorrer, porque não têm pessoal - a culpa não é minha. Sacou?

Quase esqueço de lembrar do subprincípio número dois, talvez o mais importante. Por este princípio, fica claro que para que o menor incômodo seja garantido, o princípio do menor incômodo nunca deve ser declarado. Ou seja, o melhor é jamais deixar claro que a decisão foi pautada pelo princípio do menor incômodo.

Agora que você já conhece o princípio do menos incômodo e seus dois subprincípios, vá incomodar outra pessoa e me deixe em paz!