
Como é infelizmente comum, regularizar pode não significar consertar, mas sim deixar exatamente como está. Não acredita? Eu mostro.
Já faz tempo me perguntaram numa entrevista se eu era a favor da regularização de construções irregulares. Claro!, falei. Quem não é? Se uma calçada foi construída irregularmente, contrate um pedreiro, compre umas lajotas e conserte. Se o muro está alto demais, reduza. Se o prédio não tem área verde, faça. Re-gu-la-ri-ze!

Isso não só soa mal; cheira mal, e muito! Cheira a jeitinho, esse mesmo jeitinho brasileiro do qual estamos tentando nos livrar há mais de século. Quem ganha com isso? Quem fez a calçada irregular, quem construiu um andar a mais onde não podia, quem esqueceu de colocar o elevador, quem apostou que nenhum fiscal de obras teria coragem de mandar demolir uma garagem construída sobre a área verde do condomínio. Enfim: quem agiu mal sai ganhando. De novo! E o palhaço que fez tudo como mandava a lei se sente um idiota, um perfeito idiota. Gastou mais que o vizinho, contratando um bom engenheiro, e agora o bonitão do lado está lá, sorrindo à toa.
Mas não é só o vizinho que perde. Perdemos todos nós. O problema é que todos nós, como diria a Hannah Arendt, é uma coletividade tão difusa que na prática não é ninguém. Todos nós não vamos reclamar com os vereadores; todos nós não vamos fazer uma reclamação na promotoria; todos nós não vamos nem lembrar disso, porque todos nós temos contas a pagar e bocas para sustentar.
Ficarão aí, nas cidades do país, as belezas destas regularizações. Construtores gordos e felizes. Proprietários idem. Nós, em cidades cada vez menos cidadãs, com uma miserável mobilidade urbana, um urbanismo e uma segurança de terceiro mundo e a vida cada vez mais cara e difícil de ser vivida. E com um baita nariz de palhaço!