quinta-feira, 26 de março de 2009

Itagiba deveria rever se quer promotor em prisão comum


Paulo Fernandes*


A pesquisa feita em inúmeros projetos tramitando na Câmara dos Deputados traz, às vezes, surpresas muito extravagantes. Uma delas se constitui no Projeto de Lei 3.119, de 2008, remetido à Comissão de Constituição e Justiça depois de apresentado pelo deputado federal Marcelo Itagiba (à esquerda na foto, cumprimentando Daniel Dantas).


A rubrica é a seguinte: "Altera a redação do artigo 295 do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 e revoga os dispositivos e as leis que tratam da concessão de pri são especial".


O artigo 2º do projeto pretende modificar o artigo 295 do Código de Processo Penal em vigor, enquanto dispõe: "O preso que, a critério do juiz, por sua condição pessoal ou profissional estiver submetido ou submeter outrem a risco de ofensa à integridade física, poderá cumprir pena separadamente dos outros presos, em cela distinta das demais, no mesmo estabelecimento, sendo-lhe vedado qualquer privilégio de tratamento".


Justificando a pretensão, o deputado Marcelo Itagiba pretende que o advogado, o servidor da polícia e membro da Defensoria Publica e do Ministério Público, quando presos, só poderiam ficar em cela separada dos outros se estivessem submetidos a risco ou ofensa às suas integridades físicas.


Vai longe o proponente: quer terminar de vez com a prisão especial, afirmando que esta última ofende o principio de igualdade de todos perante a lei.


Dentro de tal contexto, o autor do projeto quer que membros do Ministério Público e advogados, mais policiais e quejandos, sejam recolhidos, quando presos, nas mesmas condições que o traficante de entorpecentes, o estuprador e outras classes de profissionais do crime, sem separação alguma, mantendo-se a equivalência de tratamento.


Evidentemente, o deputado em q uestão está disposto a cortar a própria carne, porque seu histórico, colhido na Câmara, o apresenta como Delegado de Policia Federal e, numa ambivalência esquisita, o exibe como advogado inscrito regularmente na seccional da OAB do Rio de Janeiro, pressuposto só admitido se aquele pedaço da Corporação não tiver atualizado seu cadastro, visto que as duas funções - a policial e a advocacia - são incompatíveis.


Se a anotação estiver incorreta, cumprirá àquela seccional a retificação adequada, sob pena de se entender que a eminente autoridade policial mantém viva sua inscrição para advogar.


Qualquer estudante de ciências jurídicas e sociais sabe que as prerrogativas não dizem com a pessoa, mas com suas atribuições. Vale exemplo: se um membro do Ministério Publico Estadual ou Federal tiver a falta de sorte de praticar uma infração penal - dizem que cadeia não foi feita para bichos -, evidentemente precisará estar a salvo enquanto não transitada em julgado eventual sentença condenatória, pois tratamento igualitário pode levá-lo a morrer dentro da cela.Vale o mesmo para advogados, policiais em geral e mandatários do povo.


Isso vem antes das Ordenações. Já no século XIII, para não se ir muito atrás, os cavaleiros e fidalgos não podiam ser torturados. Se castigados com a morte, poderiam ser decapitados com espada, mas a forca e o machado eram proibidos na execução. Isso valeu durante o feudalismo e se manteve no mundo inteiro com pouquíssimas exceções devidas, na maioria das vezes, a regimes políticos abusivos. Os perseguidos encontravam asilo nas igrejas, como ocorre hoje nas embaixadas. Os emissários tinham imunidades enquanto representando os reis, aquelas mesmas proteções que o deputado Itagiba tem hoje para poder exercer seu mandato sem medo de ser recolhido à porta de seu gabinete, o mesmo privilégio, aliás, que já foi enodoado quando a policia invadiu os corredores da augusta Casa de Leis onde o deputado exerce suas atribuições.


Aliás, se Marcelo Itagiba está mesmo disposto a vilipendiar os parâmetros que possibilitam ao Ministério Público o exercício de suas atribuições e ao advogado o desenvolvimento de defesa, pode dar um passo a mais e mandar, em projeto subseqüente, que as portas dos lares brasileiros sejam arrombadas sem qualquer precaução maior, porque a inviolabilidade do domicílio também constitui uma prerrogativa básica de possibilidade de convivência entre o cidadão e o Estado.


A extravagância do projeto pode ser equiparada, nas conseqüências finais pretendidas, ao desvario da Revolução Francesa que, enquanto estabelecia a igualdade de todos, permitia a decapitação, num só dia, de 2000 pessoas na praça da Bastilha. Ponha o deputado, então, juízo na cabeça, pois o advogado precisa de um mínimo de proteção para poder defender terceiros, valendo notar que a advocacia se tem mantido eticamente bem posta embora o desnaturamento do Ministério da Educação, hoje felizmente superado, tenha si do responsável por gerar 600 mil profissionais, ou mais, no país.


Não se sabe qual a razão dessa vocação comunizante do deputado. Parece que sob o artifício da igualdade quer destruir a bata do médico, a toga do juiz, a beca do advogado e a batina do padre.


Nisso, há lição advinda da própria revolução dita libertária: aquilo não terminou em igualdade, liberdade e fraternidade, mas acabou no próprio sangue derramado pela nudez em que foram deixadas as lideranças. Deveria ter sido uma grande demonstração de amor aos concidadãos. Ali, Danton, Robespierre, Marat, Saint Just e muitos outros morreram sob a lâmina de madame guilhotina, tudo porque, no fim das contas, todos eram iguais perante a lei.


*Paulo Sérgio Leite Fernandes é advogado criminalista em São Paulo