domingo, 23 de agosto de 2009

Denúncia vitaminada


Imaginem um desembargador recebendo habeas corpus liberatório de preso. Imaginem agora os documentos obrigatórios que devem instruir o pedido. Certamente, além da decisão e de algumas peças do inquérito, lá deverá estar a denúncia.

Alega o impetrante a ladainha de sempre: que o paciente está preso injustamente, por exemplo, por um crime de furto simples, crime cuja pena fatalmente será substituída por prestação de serviços comunitários e blá, blá, blá... Páginas e mais páginas falando dos malefícios da prisão (eu nunca imaginei que tivesse benefícios!), dos direitos e garantias individuais, da severidade do promotor de justiça, dentre outros.

Certamente o desembargador olhará meio desconfiado para o caso: “Ora, por furto simples, porque será que o cabra está preso?”, pode ele se perguntar. Eu também me perguntaria. Na falta de outros dados – e na absurda falta de contraditório no habeas corpus, o procurador de justiça também não teria mais elementos e, enfim, por unanimidade, seria o réu liberado.

Mas agora imaginem se a denúncia começasse assim: “João da Silva, multirreincidente na prática de crimes contra o patrimônio na comarca, no dia 10 de agosto de 2009 novamente subtraiu para si uma televisão da loja...”.

E se a denúncia, ao invés de tradicionalmente só narrar os fatos, narrasse também o seguinte, ao final: “João da Silva é reincidente. Já foi condenado, em sentença irrecorrível, à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, por furto no Processo nº 2007.00000”.

Ah, muito provavelmente o TJ não teria dúvidas. Há sim boas razões para o sujeito estar preso, já que o regime inicial será o fechado e não terá direito às tradicionais substituições. O mesmo vale para diversos casos, como processos de tráfico em que, depois de meses de investigações, é apreendida pouca quantidade da droga.

Claro que na prática não é tão simples assim. Mas o exemplo serve para demonstrar que denúncias mais completas, que se aprofundem melhor nas circunstâncias do crime e que já se antecipem aos prováveis habeas corpus estão entre as técnicas processuais exigidas para um Ministério Público mais eficiente. Denúncias vitaminadas, portanto, resistem melhor aos ataques virais dos escaninhos judiciais.