quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Paráfrase divertida (se não fosse trágica)


Já é um pouquinho antiga, mas ontem li e dei boas risadas...


Por Marcelo Pimentel Bertasso


Segundo a Wikipedia, "paráfrase consiste em, reescrever com suas palavras as idéias centrais de um texto. Consiste em um excelente exercício de redação, uma vez que desenvolve o poder de síntese, clareza e precisão vocabulário".

Em minhas aulas de português instrumental no curso de Direito da UFMS, gastei muito tempo fazendo paráfrases. Era uma verdadeira obsessão do professor.

Como estou nostálgico hoje, resolvi fazer um exercício similar com a notícia que intitula este post, que se encontra no site do STJ. Dividirei a notícia em várias partes. O original ficará em itálico e a paráfrase logo abaixo. Lá vai:

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou quase dois anos de interceptações telefônicas no curso de investigações feitas pela Polícia Federal contra o Grupo Sundown, do Paraná. A decisão é inédita no STJ. Até então, o Tribunal tinha apenas precedentes segundo os quais é possível prorrogar a interceptação tantas vezes quantas forem necessárias, desde que fundamentadas.

Paráfrase

O STJ jogou fora dois anos de trabalhos de várias equipes da Polícia Federal contra abastado grupo paranense. Até então o STJ não tinha feito isso, porque entendia, como todo ser racional, que a investigação a crimes complexos é demorada mesmo, o que justifica um lapso temporal maior de monitoramento. No entanto, como está na moda achincalhar os grampos, a Corte quis tirar uma casquinha e aparecer no Jornal Nacional.

Com prazo fixado em lei de 15 dias, as escutas do caso em discussão foram prorrogadas sem justificativa razoável por mais de dois anos, sendo, portanto, ilegais. A decisão foi unânime. A Turma acompanhou o entendimento do relator, ministro Nilson Naves.

A decisão determina ainda o retorno do processo à primeira instância da Justiça Federal para que sejam excluídas da denúncia do Ministério Público quaisquer referências a provas resultantes das escutas consideradas ilegais. O processo já tem sentença condenatória, que deve ser reavaliada pelo juízo de primeiro grau de acordo com as provas que restarem após a revisão da denúncia.

Paráfrase

No caso julgado, as escutas foram prorrogadas por mais de quinze dias sem fundamentação adequada. Fundamentação adequada seria mencionar que as prorrogações sucessivas seriam necessárias para evitar que um meteoro colidisse com a Terra ou que marcianos nos invadissem. Simplesmente alegar que a escuta era necessária para esclarecer um crime não bastava.

Os ministros, contudo, não quiseram assumir o ônus de absolver desde logo os réus e assim deixar claro que estão dando mais um passo na construção do Estado de Impunidade, e então jogaram a batata quente para o juiz de primeiro grau. Agora, ele, que havia condenado os réus com base nas escutas, vai ter que "reavaliar" sua decisão, ou seja, falar o contrário do que havia dito e concluir que não há provas e absolver os réus. Ah sim, ele pode usar as provas que restaram. Mas provavelmente elas serão ilícitas por derivação (algo a ver com uma tal de árvore envenenada).

Para o relator, se há normas de opostas inspirações ideológicas, tal qual a Constituição e a lei que autoriza a escuta telefônica, a solução deve ser a favor da liberdade. "Inviolável é o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada."

Os ministros entenderam que estender indefinidamente as prorrogações, quanto mais sem fundamentação, não é razoável, já que a Lei n. 9.296/1996 autoriza apenas uma renovação do prazo de 15 dias por igual período, sendo de 30 dias o prazo máximo para escuta.

Paráfrase

O relator entendeu que os réus tinham todo o direito de cometer crimes e mencionar isso por telefone, afinal, a privacidade serve pra que né? Em que Estado vivemos, em que não se pode sequer cometer um crimezinho e contar vantagem para um amigo por telefone? Nesses casos, o réu somente pode ser punido se sair em praça pública anunciando o crime. Se, contudo, for mais discreto e limitar-se a falar ao telefone, tadinho, não pode ser punido. Viva a liberdade!!!!

Os ministros entenderam que não é razoável punir alguém dessa forma CRUEL e invasiva.

Desabafo

Ao se manifestarem a respeito do pedido de habeas-corpus, os ministros engrossaram as críticas quanto ao uso exagerado de escutas telefônicas nas investigações policiais. O ministro Paulo Gallotti advertiu que, apesar do desejo comum de ver o combate à criminalidade ganhar força e autoridade, isso deve ser feito pelos meios legais. "Não podemos compactuar com a quebra de um valor constitucional. Dois anos é devassar a vida desta pessoa de uma maneira indescritível. Esta pessoa passa a ser um nada", criticou.

A ministra Maria Thereza de Assis Moura concordou com a fixação de um limite claro à interceptação. Para ela, disso depende a segurança no Estado democrático de direito. Já a desembargadora convocada Jane Silva afirmou não ser possível permitir que as interceptações fujam aos limites da razoabilidade. "uma devassa proposital à privacidade de alguém", lamentou.

O ministro Nilson Naves, que preside a Sexta Turma, destacou que o tratamento dado é igual, tanto a quem tem quanto a quem não tem. "Haveremos de pagar um preço para que possamos viver em condições democráticas. Que tudo se faça, mas de acordo com a lei", concluiu.

Paráfrase

Os ministros aproveitaram a ocasião pra falar a frase da moda: grampear os outros é feio. O Ministro Paulo Galloti disse que combater o crime é uma boa idéia, mas de acordo com a lei. E que não pode haver "quebra de valores constitucionais" e como a proibição ao cometimento de crimes não é valor constitucional, então a privacidade prevalece sobre ela. Depois, concluiu ele que ficar grampeando uma pessoa por dois anos é reduzi-la a nada (mas nesses dois anos, com os delitos cometidos, a pessoa se tornou um "nada" bem abastado).

A ministra Maria Thereza disse que a segurança do Estado depende da fixação de limites às interceptações. Só não falou que segurança do Estado é diferente de segurança dos cidadãos. E a desembargadora Jane Silva disse que grampear alguém por tanto tempo é devassar injustificadamente a privacidade. Injustificadamente sim, porque o grampo baseou-se apenas no fato de que a pessoa cometia delitos. Ah, que motivozinho banal.

Ah, e não podia faltar a célebre frase de que isso aí é o preço por se viver em democracia. Quem a disse foi o presidente da Sexta Turma. Na verdade, não é o preço da democracia, mas um bônus. Só aqui no Brasil você pode cometer crimes, alardear por telefone, responder ao processo por longos anos e no final anular tudo. Preço? O único preço que você paga são os honorários do seu advogado.

Investigação

No caso em debate, os ministros avaliaram a nulidade da prova derivada de escutas telefônicas de 5 de julho de 2004 e 30 de junho de 2006. As escutas, feitas em linhas de empresas do Grupo Sundown, do Paraná, teriam embasado a condenação dos empresários Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern. Eles foram acusados de ser os cabeças do grupo que realizaria operações fraudulentas de importação, com graves prejuízos à fiscalização tributária. Ambos estavam condenados em primeira instância, mas encontravam-se foragidos. A investigação ocorreu durante a Operação Banestado, que examinou o envio de recursos para o exterior por meio de contas CC5.

Paráfrase

No caso em apreço, os Ministros simplesmente jogaram fora dois anos de investigações da PF. Ou melhor, eles "deram" aos réus dois anos de impunidade. Afinal, eles eram acusados apenas de realizar operações fraudulentas, o que gerou prejuízo ao Fisco. Ah, mas o fisco é abastado, os réus não, então pra que encher as cadeias desnecessariamente né? Afinal, o direito penal é fragmentário, de ultima ratio, só tutela bens jurídicos relevantes, não age quando outros ramos do direito sancionem a conduta com igual eficácia. Aliás, pra quê Direito Penal? Que trocinho mais incômodo, ficar punindo os outros, grampeando pessoas. Isso é coisa de gente recalcada e sem criatividade. Se acabássemos com o Direito Penal não teríamos mais criminosos (porque não existiria mais crime), não precisaríamos de polícia (algo que certamente herdamos da ditadura, os Titãs tinham razão, polícia é só pra quem precisa, e quem precisa de polícia?), esvaziariamos a cadeia e viveríamos felizes num autêntico Estado Democrático de Direito.

E assim caminhamos. De modismo em modismo, vamos tornando a impunidade um direito fundamental. Só faltou condenar os policiais, que faziam seu trabalho, pela arapongagem. Mas esse dia está por vir, e ainda dizem que vivemos num Estado Policial.

Enquanto isso, surge a notícia de que a Polícia Federal abrirá concurso para "adivinho". Atribuições do cargo:

i) adivinhar quando um réu oferecerá perigo que justifique o uso de algemas (Súmula Vinculante nº 11);


ii) adivinhar em qual período de quinze dias ao longo das investigações o investigado mencionará, por telefone, que cometeu o delito. Sim, porque agora interceptação tem que ser certeira: se o réu não confessar o delito no período de quinze dias de escuta, já era. Terá a eternidade para poder falar livremente ao telefone e ficar impune.

Marcelo Pimentel Bertasso, é juiz de Direito no Estado do Paraná