quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Pelo fim da verificação de risco!

Fico chocado quando em uma ou outra conversa ouço falar em instauração de verificação de situação de risco. Fico chocaco porque o ECA já tem quase 20 anos...

Preparei abaixo uma argumentação bem direta e dogmática sobre o tema. Tomara que alguém possa aproveitar.

Eduardo

Pelo fim da verificação de risco!
Para postular em juízo é necessário cumprir certas condições, conforme a moderna teoria processual. Não é possível, aceitar uma demanda no Judiciário sem que estejam presentes alguns requisitos, algumas condições que permitam aferir se o Judiciário deve ou não admitir o início de uma ação judicial. A estes requisitos a Teoria Geral do Processo denomina condições da ação.

Dentre as condições da ação destaca-se o interesse processual, ou interesse de agir, bem sintetizado por Antônio, Ada e Cândido: “tendo embora o Estado o interesse no exercício da jurisdição (função indispensável para manter a paz e a ordem na sociedade), não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil”.

Para os consagrados autores, só haverá interesse processual se estiverem presentes dois subrrequisitos: a necessidade e a adequação na tutela jurisdicional.

Lembram os autores que qualquer procedimento ou processo, enfim, qualquer postulação judicial só poderá ser admitida se a manifestação que se pede ao Judiciário for mesmo necessária, ou seja, quando se estiver diante da “impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado”.

A satisfação do alegado direito, no caso das verificações de risco, pode perfeitamente ser obtida sem a intervenção judicial, consabidamente dispendiosa, demorada e, por isso mesmo, muitas vezes ineficiente para alcançar alguma eficácia na medida.

Imagine-se, por exemplo, que na segunda-feira receba o Promotor de Justiça representação pelo abrigamento de uma criança que está sofrendo em caso com o alcoolismo dos pais. Para os “verificadores de risco”, fará uma petição ao juiz e pedirá o abrigamento ou então a inclusão dos pais em programa de tratamento. Pedirá, quem sabe, estudo social do caso. O processo será autuado, as folhas serão numeradas, seguirá para o juiz que, dentre suas inúmeras atribuições, analisará mais esta. Se tivermos sorte, na sexta-feira sairá a decisão... se não tivermos, esperem um mês...

Tudo isso é inadequado e, a bem da verdade, pela análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, totalmente desnecessário. Todas as medidas de proteção requeridas podem e devem ser adotadas pelo Conselho Tutelar, autoridade indicada pelos arts. 101 e 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente para tanto.

Dentre as medidas a cargo do Conselho Tutelar em relação às crianças e adolescentes estão:


I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar”.

O §2º do art. 101, na nova redação dada pela Lei nº 12.010/2009 reforça a regra de que todas as medidas devem ser tomadas pelo Conselho Tutelar, porque apenas “o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária”.

Todas aquelas medidas referidas acima – e dentre elas estão as requeridas nestes autos – são atribuições do Conselho Tutelar, conforme dispõe o art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Também as medidas de proteção em relação aos pais estão a cargo do Conselho Tutelar. São elas:



I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII – advertência”.

Note-se que do mesmo modo tal atribuição do Conselho Tutelar está prevista no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII”.

Além destas atribuições do Conselho Tutelar – verdadeiros deveres! –, o próprio Ministério Público tem poderes para diretamente, independentemente de provocação do Judiciário, aplicar medidas, requisitar perícias, documentos, condução coercitiva, inclusive em relação aos interesses individuais das crianças e adolescentes. E tudo isso pode muitas vezes o Promotor fazer por telefone, e-mail, ou por ofício próprio, a ser entregue em mãos pelo Conselho ou pela Polícia, o que agiliza em muito a obtenção do resultado.

Art. 201. Compete ao Ministério Público:



V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;
VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar;
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;
c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas;
VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude;

A bem da verdade, a verificação de risco, ou “verificação de situação do menor”, na nomenclatura do antigo e revogado Código de Menores (1979), era realmente procedimento necessário até 1990, dada a inexistência de previsão de conselhos tutelares e diante do perfil pré-constitucional do Ministério Público brasileiro.

É o que se pode ver dos arts. 94 e seguintes do Código, que instituíram à época o “procedimento verificatório simples” e o “procedimento verificatório contraditório”, este quando não houvesse concordância dos pais na medida a ser aplicada. Justamente o objetivo dos antigos procedimentos, segundo o Código, era aplicar “as medidas adequadas”.

Logo se vê, portanto, que não há mais qualquer interesse processual para na sistemática do Direito da Criança e do Adolescente instaurar-se procedimentos verificatórios, porque o que se postula nas “verificações de risco” – aplicação das medidas de proteção – não necessita de provimento jurisdicional.

A uma, porque o Conselho Tutelar dispõe de todos os mecanismos legais para adotar por si só as medidas necessárias à proteção da infância e juventude.

A duas, porque em caso de ineficiência do Conselho Tutelar, pode o Ministério Público, também por si só e independentemente de provimento judicial, requisitar ao Conselho Tutelar a aplicação das medidas e ainda requisitar toda sorte de documentos, perícias, estudos sociais e demais atos necessários à proteção, inclusive de interesses puramente individuais.

Minha sugestão é que o Promotor de Justiça instaure um procedimento preparatório (ICP ou o nome que o valha) na Promotoria de Justiça e requisite verbalmente tudo o que for necessário para sanar o problema. Eu instauro uma simples "representação", que nem precisa ser remetida ao CSMP. E nela requisito o que for necessário e oriento o Conselho Tutelar a, em colegiado, decidir e aplicar por si só todas as medidas. Desafoga-se o Judiciário e, em consequência, obtém-se agilidade muito maior na proteção da infância e juventude.