Denunciei um sujeito pelo crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro. Envolveu-se em acidente de trânsito e, para fugir à responsabilidade civil e criminal, afastou-se do local do crime.
O juiz absolveu por dois fundamentos distintos: a) o crime do art. 305 do CTB exige que a "fuga seja capaz de eximir o condutor da responsabilidade civil ou penal"; b) o dolo específico da conduta foi o de fugir para não ver revogada liberdade provisória, e não para fugir da responsabilidade pelo acidente de trânsito.
Achei interessante a argumentação do recurso que fiz em relação ao primeiro fundamento. O segundo era mais sobre os fatos.
Eis o texto do recurso.
O primeiro fundamento da sentença não pode ser considerado suficiente para a absolvição do réu.
Conforme se observa da leitura do texto legal, é crime "afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída".
Ora, em acidentes de trânsito, a experiência judicial demonstra à saciedade que diversas informações colhidas no momento dos fatos são essenciais para a delimitação da responsabilidade civil e penal. Não é a identificação pessoal do responsável pelo acidente a única prova a ser produzida nestes casos.
O local em que os veículos pararam, a forma com que foram abalroados, o estado dos pneus, a embriaguez do condutor, o uso de lentes corretoras, o uso de calçados adequados (art. 252, IV), de capacete, o uso de telefones celulares, o estado dos freios do veículo. Até mesmo o porte de armas de fogo ou de drogas são relevantes para a análise dos acidentes de trânsito. Enfim, um sem-número de dados devem ser colhidos no local do acidente para determinar a extensão e da responsabilidade civil do autor de acidente de trânsito.
Daí a relevantíssima norma do art. 305 do CTB, que pune com detenção quem se afasta do local do acidente, já que ao se afastar, o autor do acidente na verdade está praticando uma espécie de fraude processual (art. 347 do Código Penal), em que altera o local do crime para seu benefício próprio.
Não se entende, portanto, como jurista inteligente do quilate de Damásio de Jesus pode afirmar, como o fez na citação de fl. 52, que "se ele foge, porém alguém anotou os dados de identificação do veículo, o afastamento é inócuo, não havendo razão para a punição penal".
Inócuo?! Claro que não!
A fuga de Luiz, mesmo tendo as pessoas identificado o autor da fuga, foi sim eficaz. Não se pôde realizar exame de bafômetro, não se pôde avaliar o estado dos pneus do carro e o sistema de freios (ele alega que não conseguiu freiar porque o veículo da frente foi brusco na parada), não se pôde realizar busca e apreensão de armas de fogo e drogas; não se pôde, enfim, analisar todos os elementos do acidente de trânsito e, assim, eventual responsabilização civil fica completamente desprotegida. E desprotegida fica, com ela, a Justiça, que não poderá decidir de forma razoável eventual ação indenizatória, porque não terá os elementos suficientes.
Veja-se, portanto, que a fuga é eficaz não apenas quando o réu foge e não consegue ser identificado. É eficaz quando qualquer elemento de prova que poderia ser colhido no momento do acidente deixou de sê-lo. Daí porque a conclusão não pode ser outra de que a "eficácia" da fuga não é elemento do crime, já que qualquer fuga prejudica a administração da Justiça e sistema de trânsito.
Aliás, soa no mínimo sofismático o argumento de que o crime só ocorre quando o "réu não pode ser identificado". Se não pôde ser identificado, não se terá réu, e, assim, não haverá sequer ação penal. O entendimento exposto na sentença, na prática, retira do art. 305 do Código Penal todos os seus efeitos e faz dele letra morta dentro do Código de Trânsito.