quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Códigos da tradição


Lendo o projeto de Código de Processo Civil apresentado ao Senado no ano passado me veio aquela sensação amarga de, digamos... mais do mesmo, entende?

Suprimiram os recursos das decisões interlocutórias, mas já sei que, mesmo se isso passar no Congresso, vai ser derrubado nos tribunais. Ou, melhor dizendo, vai ser ignorado pelos tribunais. Ou, melhor ainda, será retrogratizado pelos tribunais, que certamente, na falta de um recurso no Código de Processo Civil, criarão recursos regimentais, como os muitos que já existem.

Sim, porque pelo que temos visto nos últimos tempos, as mudanças da lei não conseguem mudar a cabeça dos aplicadores. E não só no direito civil. A Lei Maria da Penha, por exemplo, passou a ser tão mal compreendida que hoje seria melhor se ela nem tivesse existido. Vejam, por exemplo, que antes, se a vítima representava na delegacia e o promotor denunciava, era fim de papo. Hoje, estão exigindo uma representação na delegacia e uma “não-retratação” em juízo. A mulher, que já foi comparada a Hércules, pelo Luiz Flávio Gomes, tem que ter agora coragem de representar e coragem para não se “retratar”, numa audiência que é designada só para isso e na qual todos torcem (eu não!) para que ela se retrate.

Sim... A Justiça e seus operários são inertes, reticentes, retraem-se às mudanças. Parece que, depois de decorar quase um código inteiro, depois de aprendermos na escola como se faz, tudo o que vier em contrário é ruim, mesmo que seja para melhorar. E aí nossa velha vista cansada vê tudo sem brilho, sem cor.

Andaria melhor o projeto do Código de Processo Civil se realmente revolucionasse. Se criasse verdadeiramente normas para dar efetividade às decisões judiciais, punindo severamente quem atenta contra a jurisdição. Se desse ao juiz, na execução, o poder de fazer tudo, tudo mesmo, para obter o crédito. Se, enfim, conseguir se livrar das formas excessivas em prol de um processo rápido, ágil e eficaz.

Mas, tal qual na Lei Maria da Penha, tenho minhas dúvidas se isso realmente mudaria muito. Provavelmente choveriam inconstitucionalidades, argumentos do tipo “não se aplica” (lembram do Código de Defesa do Consumidor e os bancos, lembram?), ou argumentos do tipo “infelizmente a lei não dá outra saída, apesar de injusta”, como a burrice interpretativa que já vai completar quinze anos e que diz que a transação penal descumprida não pode ser convertida em pena privativa de liberdade...

Bom, acho que o mais seguro é ser realista para não se afogar num rio que, tomara, tenha apenas um metro de profundidade. O mais seguro é ser realista e encarar o direito como ciência social, e não como teoria pura. Mas, para tudo isso, talvez nem mesmo um código revolucionário conseguisse revolucionar o direito e nossos próprios códigos da tradição.