quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Entre o que não é e o que não pode ser. Será?



Tenho pensado ultimamente numa postura interessante dos juristas.

Como se vivessem numa redoma de vidro jurídico, cercados por códigos e leis por todos os lados, passam a achar que o que está na lei é o que é, e o que não está na lei é o que não pode ser.

Lembrou dos Titãs? Pois é, tem tudo a ver com a música (poema) do Arnaldo Antunes. Eu explico.

Quando a constituição diz que todos são iguais perante a lei, tem gente que acredita que realmente, na prática, na vida real, na empresa, na fábrica, na escola, todo mundo é igual mesmo perante a lei.

Tá bom, realmente, já tem muita gente que nega isso, e diz que, embora tal regra esteja na Constituição, na prática não é bem assim.

Mas, na média, o senso crítico pára por aqui e a dúvida sobre o ser e o não ser no direito se limita a essa crítica básica à igualdade, também já ouvida de algum lugar, lida num desses manuais para passar em concurso público.

Vamos deixar um pouco mais complexa a questão. E quando leem que o poder emana do povo, será que acreditam realmente que o poder emana do povo? Acreditam que o poder não emana do poder econômico e do poder político, que está realmente bem distante do povo?

E a Constituição, é realmente um limite ao poder do Estado? Já ouvi essa, repetida inclusive, várias vezes. Será mesmo? Ou a Constituição na verdade é um instrumento para garantir poder a certas instituições sociais? Se a Constituição é o que o Supremo Tribunal Federal diz ser, não serão as regras constitucionais, como por exemplo a presunção de inocência, um instrumento para os poderosos? Basta ver a discussão sobre Ficha Limpa. O bandidinho lá no interior fica preso durante o processo. O senador corrupto, é presumivelmente inocente até que todas as instâncias provem o contrário!

E quando se fala, por outro lado, que a pena tem caráter ressocializador, educador e preventivo, ainda tem gente que acredita piamente nisso. Saem por aí a declamar as frases que ouviram da boca de professores eloquentes, e, sem pensar na veracidade do dogma, tentam construir todo um edifício jurídico em cima dele. Um edifício que depois começa a desmoronar quando se vê que a pena não tem caráter ressocializador coisa alguma. É pena e pronto, oras! Por que é tão difícil admitir essa realidade? Será que é o mesmo medo que sentiu Galileu?

Digo isso porque tenho visto cada vez mais teorias jurídicas se pautando por dogmas, por postulados, por declarações de códigos, sem que se investigue se realmente estes dogmas correspondem (ainda) à verdade, se é que algum dia corresponderam.

O direito, ao contrário de outras ciências, viaja num avião sem saber de onde partiu nem para onde se vai. Um astrônomo, por exemplo, ao ouvir que a Terra gira em torno do Sol, sabe bem que isso já foi discutido e que, se hoje é dogma, é porque há sérios fundamentos para isso. Se ele for à rua e observar atentamente, vai chegar à mesma conclusão.

Já com o jurista parece ser diferente. Se ouve que a pena ressocializa, ele acha que a pena ressocializa mesmo, sem nem pensar. Quer ver então se a frase vier recheada de citações estrangeiras, de nomes famosos e de uma pincelada de juserudição. E, com este dogma, parte o jurista para o próximo passo, que é encontrar alguma “doutrina” (argh!!) que justifique o seu ponto de vista.

Ora bolas, vamos duvidar um pouco mais do que nos botam diante dos olhos. Vamos pensar um pouco para ver se aquilo que dizem que é, é mesmo. Vamos deixar de absorver o que não é como se fosse e, como diz o Arnaldo Antunes, deixar claro que (não) é o que não pode ser.