terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Cientificamente aprovado!


Sala 1

Vinte minutos de atraso. O aluno cumprimenta os doutores membros da banca e, numa mesura, inicia a apresentação da tese. Trezentas e trinta páginas sobre um tema pra lá de interessante: O Direito à Paz. Os professores se acomodam melhor na cadeira. O mais novo recebe um discreto cumprimento no braço. Co-orientador da tese.

Sala 2

O relógio da parede registra quatro da tarde. É um dia de semana. Cumprimenta os membros da banca. Queria que o orientador estivesse junto, como ocorre em outras universidades. Apresentação em powerpoint na tela. Um gole d´água e começa a exposição da sua tese. Os efeitos do uso prolongado da doxametasona na retina. Um dos professores pigarreia, contrariado.

Sala 1

Cinco minutos de apresentação. Sem powerpoint começo a ficar entediado. Já ouvi centenas de vezes esse histórico sobre a Revolução Francesa. Os professores concordam com a cabeça. Terno bonito esse que o aluno usa.

Sala 2

Direto no ponto, gosto deste estilo. Pesquisa com duzentos pacientes em dois anos no hospital universitário. Interessante. Boa base de dados. O professor do pigarro toma algumas notas. Acho que está gostando. Ou será que não? Não dá pra saber.

Sala 1

Quarenta minutos já daria para entrar no ponto principal. Afinal, do que ele vai falar mesmo? Direito à Paz, é o título da tese. Mas qual o enfoque? Está citando autores estrangeiros. Não devia tentar ler alemão, o sotaque mais parece o de um coreano falando português.

Sala 2

Gráficos. Fica fácil entender. Mesmo pra mim, que sou leigo, parece que ele está com toda a razão. Dexametasona em excesso pode causar perfuração de retina. E o pior é que ninguém sabia disso até então.

Sala 1

Acho que não entendi bem a conclusão. O direito à paz é um direito fundamental, é um princípio ba-si-lar, assim, dito devagarinho. É isso? É só isso? Estou louco para fazer uma pergunta, mas vou esperar os professores primeiro. Eles vão detonar esse sujeito.

Sala 2

Jogo duro. Aquele que tomava nota questiona os métodos da pesquisa de campo. Como era o grupo de controle? Boa resposta, na tampa. Acho que esta foi uma pegadinha, perguntando sobre um autor grego. Caramba... o cara conhecia! O professor agradece. Não tem mais perguntas.

Sala 1

Sinceramente eu não sabia que o professor podia ir para uma banca sem ter lido a tese. Não deu tempo. Tinha um curso para ministrar na Itália. Achou a explanação muito boa, profunda e atualizada. Já adiantou a nota. Dez. O orientador faz uma pergunta. Parecia já combinada. O co-orientador diz está satisfeito. Um terceiro repete a conclusão do aluno, dizendo que está na hora de colocar no texto da Constituição o direito à paz como direito fundamental. Topograficamente, diz ele, o art. 5º é o melhor lugar. Outro professor aparteia. O art. 7º seria o melhor lugar, pela lógica jurídica. Começa uma pequena discussão entre cavalheiros, que não dura dois argumentos.

Sala 2

Ninguém se apresenta como orientador. Acho que aqui não tem. Mais uma saraivada de comentários. Um deles refez o cálculo da página quarenta e três. Estava errado. O aluno concorda, mas afirma que o erro foi na casa dos milhares, e não modifica a conclusão. O professor concorda, mas diz que terá que ressalvar a nota. Outro questionamento. O aluno questiona a premissa do professor. Uma pequena discussão. Interessante. Genial, pra dizer a verdade. O professor concorda, mas diz que apresentará um texto complementar para leitura e inclusão na tese.

Sala 1

Todos saem. Reunião rápida. Nota dez, com louvor. Aprovado.

Sala 2

Todos saem. Um professor sai, vai à secretaria, pega uma calculadora científica e volta. Tensão. O aluno está confiante. A plateia nem tanto. Abrem as portas. Nota 8,75. Dois cálculos errados, mas que não modificaram a conclusão. Faltou citar um texto importante, publicado há duas semanas na Science. Aprovado, com a ressalva de adequação.