Elias Antônio Figueiredo, nome fictício, para protegê-lo, é repórter de um grande jornal brasileiro. Ou deveria ser. Embora tenha em seu currículo páginas e páginas de reportagens policiais, políticas e científicas, resolveu abrir o jogo e confessou: “eu jamais entrevistei alguém para este jornal”.
O espanto é logo esclarecido: “hoje em dia as grandes redes jornalísticas não querem mais investir nas reportagens investigativas. Querem que peguemos um assunto qualquer na Internet e criemos, livremente, um texto, como se uma matéria tivesse realmente sido investigada e escrita”.
Quem denuncia a falcatrua jornalística, conhecida no exterior como fake-report, é Antônio Solimões Neto, herdeiro de um dos principais meios de comunicação do Rio de Janeiro, o jornal Notícias no Dia. Para ele, tudo não passa de concorrência desleal. “Em breve terei que fazer o mesmo em meu jornal se algo não for feito”.
Poucos percebem a fraude, diante dos bem escritos textos que acabam sendo criados, com um pouco de prática, a cada meia hora, sem que o jornalista coloque o pé na rua e, muitas vezes, para minimizar custos, trabalhe apenas como free-lancer ou, contratado mesmo, de sua própria casa.
Há pouco mais de um ano, alunos do curso de jornalismo da Universidade Federal de São Paulo já haviam registrado a prática num trabalho de conclusão de curso. Analisaram cinquenta notícias em aproximadamente duzentos jornais diferentes. Todas continham as mesmas fontes. Todas afirmavam ter entrevistado pessoas. Nenhuma delas verdadeira. Os alunos também submeteram os textos a uma interessante pesquisa de campo. Voluntários liam a pseudo-reportagem e registravam notas de 0 a 10 para os seguintes quesitos: utilidade, confiabilidade, profundidade e qualidade do texto. A média foi altíssima. 8,74, sendo que o quesito confiabilidade, para alguns casos, chegou a 9,21.
O que preocupa a comunidade jornalística é que o jornalismo acaba perdendo seu principal objetivo, distribuir informação. “Quando a informação não é verdadeira”, afirma o representante do Sindicato de Jornalistas do ABC, “não há mais jornalismo, mas sim literatura, diversão, passa tempo”. E o pior, sintetiza outro repórter que não quis se identificar, mas que trabalha para grande empresa do ramo, “é que as pessoas acabam acreditando em falsas informações, ou conferindo maior credibilidade às informações superficiais, e levando isso para seu dia a dia”.
Que o diga o analista financeiro Roberto Scheindorg, que frequenta há anos o “círculo viciado”, segundo suas palavras, da Bolsa de Valores de São Paulo. Em 2009 Scheindorg orientou seus clientes a investirem numa empresa que havia sido citada numa reportagem de um dos maiores jornais paulistas. Orientou mas estava desorientado. Foi justamente a partir de uma falsa reportagem que afirmava – inclusive com citações e entrevistas, todas inverídicas – do andamento de uma mega operação internacional de investimento no país que Scheindorg, ou melhor, seus clientes, perderam quase R$ 70 milhões. Demitido da corretora, acabou passando seis meses fora do país, aproveitando para fazer um curso de reciclagem, e só agora retornou ao ramo.
Mas não é apenas na imprensa escrita que o “fenômeno”, como chamado pelos alunos da USP, ocorre. Na televisão não são raros os exemplos de matérias falsas. Nem sempre por má-fé, mas muitas vezes para ceder à pressão editorial, o falso jornalismo cede na busca de grande volume em pouco tempo.
Acompanhamos uma semana de trabalho de outro jornalista que não quis se identificar, responsável por três incursões num dos maiores telejornais do Brasil em apenas uma semana do mês de outubro de 2010. Pedro, nome falso, diz com orgulho ter apurado uma técnica excelente. Pela manhã ou na noite anterior busca pela Internet o assunto a ser “investigado”. Vai então a grandes centros com o câmera, ambos identificados com o uniforme do canal e sua poderosa logomarca. Qualquer informação é então confirmada pelos curiosos personagens de locais como Praça da Sé, 25 de Março, Linha Vermelha do Metrô, entre outros.
Pedro conta, às gargalhadas, que certa vez fizeram um teste. Induzindo a resposta, obtiveram num mesmo dia críticas virulentas e apoio incondicional ao aumento do salário mínimo. “Bastava mudar o jeito de introduzir a pergunta”, afirma Pedro, com o aceno positivo de seu câmera. O premiado jornalista exemplifica: “Se eu pergunto, ‘com tantos gastos públicos, o aumento de apenas R$ 20,00 no salário mínimo é adequado?’, ninguém concorda”. “Agora, se eu pergunto, ‘nos últimos cinco anos a população se mostra satisfeita com o aumento do salário mínimo, como o de R$ 20,00, anunciado nesta semana. O senhor concorda?’, a resposta é completamente diferente”. Daí, confessa o jornalista, também sob o olhar aquiescente do câmera, é só editar o vídeo. “Costumo inclusive inverter pergunta e resposta, para aumentar ainda mais a credibilidade da notícia. Consigo praticamente qualquer frase na rua”.
O doutor em comunicação Raul Ceriolli, da Universidade Fluminense, explica o fenômeno. Para ele, num mundo globalizado, a notícia chega na maior parte das vezes já pronta. Ocorre o inverso do jornalismo. Ao invés de o jornalista buscar a notícia e confirmá-la com as fontes, hoje se tem a notícia nas mãos, e o que é preciso é achar a fonte, ainda que a notícia não seja totalmente verdadeira. “O que muitos profissionais fazem”, afirma o titular da cadeira de telejornalismo, “é forçar a fonte a falar o que precisam para completar a matéria, com perguntas sugestivas diretas e indiretas”. Quando a fonte não fala ou nega a informação, outra fonte é caçada, até que alguém confirme. E um jornalista experiente, afirma o professor, consegue isso rapidamente.
Num mundo movido pela indústria da informação, nem sempre só a informação verdadeira é útil. Pelo menos para alguns jornais e jornalistas, a informação falsa também é fonte de renda, alta renda.