quinta-feira, 3 de março de 2011

Justiça para quem insiste



Quando o STF decidiu, há uns dez anos, que a Lei de Crimes Hediondos era constitucional, nenhum advogado de defesa se rendeu. Continuaram os recursos, continuaram as insistentes proposições, continuaram os habeas corpus e o lobby nos tribunais superiores.

Não foi fácil esta, mas levaram o que queriam. Declararam inconstitucional o regime integralmente fechado. Agora já estão quase derrubando o regime inicialmente fechado. Daqui a pouco a Lei de Crimes Hediondos vai para o Museu do STF, com direito a discurso e salgadinhos.

Já com a Lei dos Juizados Especiais, com a Lei Maria da Penha e com as alterações no Código de Trânsito, o que acontece?

Assim que o STJ disse que a pena aplicada na transação penal – em que o autor dos fatos, acompanhado de advogado, aceita uma pena e renuncia ao contraditório – não podia ser convertida em pena privativa de liberdade, quando descumprida, ninguém mais recorreu. Ninguém mais brigou em favor da sociedade nos tribunais. Lobby, nem pensar. E então parte da Lei dos Juizados Especiais morreu. Faleceu.

Com a Lei Maria da Penha também está acontecendo o mesmo. O STJ decidiu que a vítima, depois de apanhar, depois de ser ameaçada, depois de tomar umas bolachas na cara, pode ela mesma decidir se o processo segue adiante. “Se quer apanhar, vamos nos meter por quê?”, disseram, com outras palavras e algum latim. Acabaram na prática estrangulando a Maria da Penha, mais precisamente o art. 41. E ninguém mais recorreu. Ninguém mais brigou. Lobby nem pensar. A Maria da Penha, depois de apanhar, foi enterrada agonizante.

O Código de Trânsito não ficou para trás. Ou melhor, ficou. Muito para trás. Foi ultrapassado por um motorista bêbado em ziguezague. O art. 306 diz que é crime dirigir com mais de seis decigramas de álcool no sangue. Qualquer livro de medicina legal diz que o sujeito que está com dificuldades de fala, com dificuldades de locomoção, está pelo menos três vezes acima deste nível. Aliás, se percebermos a embriaguez, é porque o sujeito já está acima disso. Logo, é crime dirigir quando se bebeu o suficiente para ter dificuldades de fala e locomoção. Mas diversos tribunais já estão dizendo que não é tão simples assim. Se o objeto do furto não for encontrado, pode provar por testemunhas. Se o corpo da vítima (olha o caso do goleiro Bruno) não for encontrado, pode provar por testemunhas. Se a intenção era matar ou se defender, pode provar por testemunhas. Mas se o sujeito estiver embriagado, não pode?!?! Nem mesmo uma filmagem com o sujeito cambaleando vale como prova! E daí, ninguém mais recorre, ninguém mais briga, ninguém vai jamais fazer lobby e tudo fica uma beleza... para quem pratica crimes.

Sinceramente, está no momento de o Ministério Público passar a lutar com a mesma intensidade na defesa de suas teses, em defesa da sociedade. Não dá pra se curvar diante de decisões que inicialmente nos são desfavoráveis. Temos que insistir, lutar, brigar, manter contatos com juízes, desembargadores, ministros (será isso lobby), como fazem os que vencem. Temos que fazer campanhas, propagandas. Enfim, precisamos agir como agem os bons escritórios de advocacia, e, num país em que a jurisprudência não vem sendo tão prudente assim, buscar sempre a Justiça, ainda que venham derrotas no meio deste longo e pedregoso caminho.