quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Lápides e epígrafes


Chegam lá do Rio de Janeiro notícias de que virou moda novamente inscrições pomposas em lápides. O defunto é que ordena, no mais das vezes. Um filósofo, uma passagem bíblica, uma relíquia da literatura mundial, algo valha ficar ali, defuntando, pelo resto da eternidade.


Isso me lembra que também artigos científicos e monografias que se prezem têm que ter uma espécie de lápide. Para ficar para a eternidade, para que tenham o peso do definitivo, do morto e enterrado, exigem as bancas uma frase de efeito. Sem ela, nada; com ela, nota dez com encômios.

Uma dessas lápides literário-científicas, que na academia recebem o nome de epígrafe, me chamou a atenção esta semana. Dizia, e acho que já ouvi isso num julgamento do STF, que “o problema é que, para se fazer efetiva a regra constitucional, há de se pagar um preço, o preço da democracia, respeitando a regra do jogo”. A pérola é atribuída a Jacinto Coutinho.

Legal, bonito, de efeito, a própria epígrafe parece um adjetivo em si mesma. Mas – droga, sempre tem um “mas” –, diferentemente da ostra, que é feia por fora, aqui a pérola que é feia por dentro.

Direito, sempre soube, é ponderação, é equilíbrio. Frases como esta estão sendo usadas, entretanto, para desequilibrar o direito. O preço que se vem pagando é muito alto. A pretexto de garantir uma “ampla” defesa, por exemplo, permite-se que o réu arrole testemunhas abonatórias só para protelar; e não somente aqui ou ali, mas lá distante, para configurar excesso de prazo. A pretexto de garantir o contraditório, já não basta abrir espaço para a contestação e defesas adequadas. É preciso que o réu conteste mesmo, que não confesse, que brigue pelo que não é direito, já que só assim terá se defendido. A pretexto de respeitar uma genérica e controvertida regra do jogo, permite-se o descumprimento de outras regras do jogo, aquelas que estão no Código de Processo Penal, que já não vale muita coisa. Se fosse o presidente Lula, diria: “a pretexto de fair play, se o time da casa estiver perdendo tem prorrogação; se estiver ganhando, até os acréscimos são proibidos”.

Sábio presidente. O futebol, com sua simplicidade, explica tudo. O preço da democracia também deve ponderar o custo de um Judiciário ineficiente, de direitos que não se realizam, do desrespeito daquelas regras claras do jogo. Mas daí já não é com o Lula, é com o Arnaldo.