quarta-feira, 13 de março de 2013

Simplicidade e humildade no exercício da magistratura


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*Bonita homenagem da AMC ao meu pai.
   
Foi ainda menino, “um pouco mais que uma criança”, que o desembargador José Trindade dos Santos descobriu a profissão que queria trilhar. E lutou para alcançar o sonho. Não à toa, ingressou na magistratura no ano seguinte à formatura em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 1972, como juiz substituto na Comarca de Chapecó. Vasculhando a memória, Santos recorda o exato momento em que decidiu que queria ser juiz. Foi enquanto assistia a um júri, cujo caso ficou marcado nas lembranças do desembargador. “Todo estudante tinha a mania de querer reformar o mundo. Eu queria, pelo menos, tentar contribuir com alguma coisa”, 

Na época, a decisão pela condenação de um médico indignou Santos, que acreditava que o réu deveria ser absolvido. “Na verdade não se sabia, era questão de simpatia ou não. Mas alguns fatos que ocorreram depois me revoltaram”, conta. Desde então, decidiu lutar com afinco contra as injustiças.

E as dificuldades que a vida lhe impôs só o fizeram mais forte. Filho caçula, nasceu em Florianópolis, em 1945. Perdeu o pai quando tinha apenas 45 dias de vida, em decorrência de um acidente de trabalho. Ele e a irmã foram criados apenas pela mãe, que era costureira. Da infância, recorda das broncas dadas pelo tio, que morava próximo, e quem considerava um segundo pai. “Respeitávamos ele e até tínhamos um pouco de medo”, diz.
      
A lembrança da família paterna é da vida dedicada à confeitaria, profissão que nunca pensou em seguir. “A maior satisfação que eu tenho como magistrado é a própria carreira. Eu gosto e vou gostar até morrer. Se eu pudesse começaria tudo de novo”, garante. Por conta da profissão, morou nas cidades de Chapecó, Anita Garibaldi, Urussanga, Xanxerê, Joaçaba e Tubarão. Nesta última permaneceu por 12 anos, antes de retornar para Florianópolis, de onde não pensa mais em sair.
     
Na magistratura há 40 anos, sendo 16 deles como desembargador, Santos conta que acompanhou muitas mudanças ao longo dos anos. “Nada foi violento, mas mudou. Na época, as decisões eram extremamente legalistas. Era o que a lei dizia e ponto. Com o passar do tempo deu-se mais liberdade para o magistrado decidir”, explica. Mudanças que ganharam o aval do desembargador, que acredita que a Justiça percorreu um caminho mais social, em favor das classes menos privilegiadas. “Antigamente era menos mutável. Não havia o código de defesa do consumidor, por exemplo. O que o tribunal dizia era aquilo. Agora não mais, graças a Deus”, comemora.
      
Apesar da trajetória progressiva, o desembargador ressalta que ainda são necessárias outras adequações para que o Judiciário funcione de forma mais eficiente. Entre elas, a de aumentar as estruturas, principalmente do 1° grau, além da informatização de todo o setor. “Informatização da justiça comum não é só uma questão de querer, é de necessidade. A gama de julgamentos que envolve uma sessão, por exemplo, é muita coisa. É complicado”, explica.
      
A arte de julgar, aliás, nunca foi um peso na vida de Santos. Muito pelo contrário. Ele fala com orgulho da carreira de magistrado e, após tantos anos de experiência, tem uma visão bastante realista do Poder Judiciário. Para ele, não existe imparcialidade nos veredictos. “Não existe ser uma pessoa na vida pessoal e outra como juiz. Não tem como separar. Ou se tem um posicionamento pessoal e se tenta trazer para dentro ou não se tem nenhum posicionamento”, afirma. 
      
Segundo ele, muitas decisões foram difíceis justamente por este prisma. “No Tribunal, há entendimentos para ambos os lados. Eu tento me filiar aos argumentos que me convençam, que não me violentam. Mesmo que sejam minoritários”, diz.
      
Mesmo com todo este cuidado, Santos reconhece que uma das partes sempre irá se sentir injustiçada. “Um lado vai sempre criticar. Se a causa é ganha pelo A, o A acha ele (o juiz) um Deus, mas para o B ele é uma porcaria. A valoração é sempre muito peculiar”, assume.
      
Despido de vaidades, Santos sempre teve a humildade como a mola propulsora de seu desempenho profissional. Característica que não lhe permitiu alimentar vaidades ao longo da carreira. Contrário ao senso-comum que vislumbra os juízes em pedestais, o que Santos chama de “crise de ‘juizite’”, ele garante que, muitas vezes, a simplicidade é fundamental para o exercício da profissão. Como exemplo, o desembargador conta que, durante muitos anos, não costumava usar terno e gravata no ambiente de trabalho e que só usa a toga quando há a exigência de tal formalidade. “Nas comunidades do interior que passei, era algo que distanciava das pessoas. Porque o juiz acaba se tornando o único de terno e gravata na cidade. Quando eles têm confiança, contam coisas que não estão nos autos. Acho que essa adequação é muito importante”, fala.
      
Tal entendimento, aliado a simplicidade de Santos, fez-no lutar contra a imagem do juiz como uma figura apática e desinteressada. Aliás, a aproximação da Justiça e sociedade sempre foi defendida pelo desembargador, que acredita que a sensibilidade é uma característica mais importante para um juiz do que o seu conhecimento técnico. “Acredito em decisões mais humanizadas. Direito do menor, do adolescente, dos menos favorecidos”. Com o conhecimento de quem já está às portas da aposentadoria, Santos, que também passou pela presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de 2010 a 2012, não titubeia quando questionado se a Justiça é, afinal, justa. “Claro que há falhas. À medida que o aplicador da lei é humano, vai haver injustiças”, ressalta.
      
Defensor da justiça e das classes menos favorecidas, Santos tem na decisão colegiada uma de suas maiores frustrações na magistratura. Ao contrário da decisão monocromática do juiz, a opinião de três juízes, muitas vezes divergentes, é analisada para se chegar a um veredicto. “Como juiz você tenta tomar uma decisão de acordo com o teu entendimento pessoal. Em um colegiado é mais em termos definitivos. Se lida com a opinião de três, que muitas vezes são divergentes. Ou seja, pode ser que a decisão que tu julgas a correta não seja a que será tomada. E quando tens a consciência de ter tomado a decisão certa, é muito complicado. Não é ser dono da verdade. É o que entendimento majoritário, às vezes, me violenta”, admite.
      
Recordações negativas, infelizmente, também estão guardadas em sua memória. Dois casos, que ocorreram, coincidentemente, quando atuava em Joaçaba, trazem à tona lembranças ruins de sua carreira como juiz. Um deles foi um homicídio de um casal de idosos e de seu filho. A brutalidade do caso chocou o então juiz, que não conseguiu permanecer em silêncio diante do culpado. “Eu falei para ele: ‘Se eu fosse teu pai eu te matava, porque tu não és um ser humano, és um animal’”.
      
Outro caso chocou pelo desrespeito. Um casal recém separado brigava na Justiça porque nenhum dos dois queria ficar com o filho. “Falei que um deles tinha que se sacrificar e, no final, um deles mudou de ideia. Mas são coisas que chocam. Porque desrespeito pelo próprio filho é impactante”, conta o magistrado, que é pai de três filhos – Eduardo, Bernardo e Bianca. Devidamente educados e orientados, atualmente o desembargador dedica-se à divertida tarefa de “deseducar” os três netos. Com um sorriso no rosto, Santos explica que mimá-los é o dever de todo avô. “A educação é por conta dos pais. É um gosto muito diferente de ser pai. Adoro essa nova ‘função’”, entrega.
      
Quanto à proximidade da aposentadoria – daqui três anos –, o desembargador conta que já faz planos. Apesar dos convites para advogar depois que encerrar a carreira na magistratura, ele, que atualmente mora no bairro Itacorubi, em Florianópolis, planeja mudar-se para um lugar mais sossegado, onde possa plantar, ou, quem sabe, abrir um antiquário. “Adoro antiguidades. Fico maravilhado com o que as pessoas conseguiam fazer dispondo de poucos recursos. O problema é que não iria querer vender nada, iria querer ficar com tudo para mim. É uma paixão”, assume. Não há dúvida de que, após tantos anos de dedicação à magistratura, ter tal desejo atendido é, por suposto, um presente mais que merecido.