quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Kafka no STF


*Texto de Sérgio da Costa Ramos (foto ao lado).

Bandidos condenados por crimes graves — entre eles crimes de sangue, como homicídio e latrocínio — deixam as grades e se homiziam nas asas da liberdade, protegidos por uma decisão kafkiana do Supremo Tribunal Federal.

O ex-seminarista que matou o pai e a madrasta. Os irmãos Cravinhos, que, conduzidos pela já condenada Susane Richthofen, massacraram a golpes de barra de ferro, os pais adormecidos da jovem assassina. Os latrocidas e os estupradores. Os megatraficantes, como Fernandinho Beira-Mar. Todos ainda têm recursos a ser julgados. Logo, todos serão candidatos à liberdade de que gozam os justos, os tementes à lei e ao Direito.

Não se trata de soltar meros suspeitos. Mas de entregar aos braços da impunidade réus já condenados pelos tribunais de júri, pelos juízos singulares de primeira e segunda instância, num país em que os códigos processuais e uma insensata espiral de recursos se alinham entre os defensores dos criminosos.

As caixas de e-mails dos jornais estão entupidas de protestos. "Agora sim, vai reinar, com o aval do STF, a mais absoluta impunidade no Brasil", resumem. Um leitor, escandalizado, escreveu:

— A decisão de libertar criminosos até trânsito em julgado representa vergonhosa atitude de condescendência com o crime, além de incitar a revolta popular pela consolidação oficial da impunidade. Ela demonstra ao mundo real a irresponsabilidade perante a população que tenta, com sacrifício, educar seus filhos pelo bom exemplo, contando com a prevalência da lei.

Ora, a lei. O que fazer quando a lei se torna um agente desagregador da própria ordem constitucional — e quando ela mesma, a "lei", se confunde com a arma jurídica capaz de assegurar a prevalência do crime e a derrocada das instituições?

Juízes incapazes de perceber o efeito desastroso da "extinção da punibilidade" numa sociedade mal acostumada com a lei natural do "levar vantagem" (a alcunhada Lei de Gérson), aferram-se à letra fria — e romântica — da presunção de inocência, até mesmo para os réus de crimes confessos e hediondos. A partir dessa presunção — cega e inamovível — está reinaugurada a sociedade das cavernas, aquela cujo "jurisdicismo à outrance" acabou levando o homem à selva imoral da nação sem lei, sem ordem, sem instituições críveis.

Espanta que agentes do Direito se hospedem na letra empedernida da lei para beneficiar facínoras graduados. A prisão "excedeu o seu prazo legal"? Muito bem, enquadrem o juízo responsável pelo julgamento! Mas não tornem o crime impune ... Ou, então, mudem a lei, adequando o devido processo legal a prazos compatíveis com a velocidade da Justiça.

O STF e seus 11 ministros serão a última instância recursal de milhares de bandidos. Logo, nenhum recurso transitará em julgado no decorrer de anos, talvez de séculos. Essa constatação assustadora abre as portas das piores cadeias. Todo assassino de uma briga de bar, todo traficante preso com uma tonelada de droga, todo serial killer terá direito a essa "impunidade legal".

E Kafka achava que em seu O Processo estava esgotado todo o absurdo deste mundo...