domingo, 27 de setembro de 2009

Impressões sobre os atuais rumos da Justiça na área criminal

Por Rodrigo Zacharias, Juiz Federal.

A justiça brasileira vive tempos inquietantes na seara criminal. Comparo os dias de hoje com o ano de 1988, quando a Constituição Federal trouxe esperanças de redistribuição de renda e também de redução da impunidade, pois o Brasil já contava com índices alarmantes de violência e corrupção.

O fortalecimento do Ministério Público; a criação da Defensoria Pública para a defesa dos necessitados; o reforço no papel dos Tribunais de Contas; a ampliação da Justiça Federal para o interior. Tudo isso prometia firmar a função jurisdicional como agente transformador, na “Constituição Dirigente”.


Passados 20 anos de vigência da CF, a sensação de impunidade aumentou. Hoje, em 2009, somos campeões mundiais em crimes de homicídio, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho, situando-se também entre os líderes globais em índices de corrupção. E a péssima distribuição de renda não explica, sozinha, esse fenômeno.


A população diverte-se assistindo aos Big Brother, com futebol, carnaval e trocando celulares a cada ano. O povão adora o Bolsa Família, os benefícios assistenciais. As leis trabalhistas draconianas, as leis tributárias inviáveis castigam os empresários. A reforma política também não sai do papel, deixando os políticos praticamente irresponsáveis pelos seus atos.


Falar em efetividade no julgamento dos crimes é uma quimera. Milhares de processos são extintos pela prescrição. Advogado do réu pode requerer qualquer coisa, sem dever de boa-fé. Já a acusação nada pode. Qualquer escorregão do Ministério Público gera nulidade. A vítima é ignorada e as garantias são todas para o réu, jamais para o Ministério Público.


Nos processos criminais, a sentença do juiz vale menos que redação em vestibular, pois sujeita a vários recursos, várias instâncias. Sobejam habeas-corpus ilimitadamente, para qualquer fim. É comum acórdãos de Tribunais determinarem o trancamento dos processos antes mesmo de o juiz proferir sentença.


As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal inviabilizam a redução da criminalidade organizada e a de colarinho branco. A polícia não pode nem algemar mais os presos; esses podem fugir da prisão sem perder seus direitos; devem ser transportados de avião para assistir às audiências quando presos preventivamente, às custas do contribuinte; não têm limite no número de testemunhas; não se garante mais sigilo nas investigações policiais, mesmo nas interceptações telefônicas; não se pode obrigar investigados a submeterem a quaisquer exames (DNA, sangue, bafômetro); contrabando de muamba até R$ 10 mil não é mais crime para o Supremo, pelo princípio da insignificância; e por aí vai.


Para vender livros de processo penal, criminalistas superdimensionam a garantia da “ampla defesa” em seu mais alto grau, importando lições de autores de países ricos, sem adaptá-las ao Brasil, criando aqui uma espécie de “ultradefesa”, geradora de inúmeros obstáculos ao trâmite dos processos criminais.


Caminha o Brasil na contramão dos países desenvolvidos, que buscam adaptar a legislação e a jurisprudência à nova criminalidade, organizada, transnacional, capaz de subverter gravemente a ordem pública, sobretudo quando opera com tráfico de drogas, de pessoas, lavagem de dinheiro e contrabando.


E nos últimos anos evoluímos pouco na “ciência do direito”. Nas entrelinhas dessa legislação moderna, remanesce o espírito da barbárie na interpretação das garantias constitucionais aplicadas ao processo penal.


Sim, a exacerbação pro-reo do “devido processo legal” traduz veemente ranço da barbárie; a pretexto de se seguir um processo ético, legitima-se a delinquência, o caos, a indiferença com o fato ilícito. Enfim, neste País historicamente patrimonialista, paira no ar uma exacerbada leniência com o crime.


Um dos episódios mais bizarros ocorreu quando da concessão de liberdade provisória pelo Superior Tribunal de Justiça a Pimenta Neves, assassino confesso da namorada, mesmo depois de condenado em primeira e segunda instâncias. Isso fere o mais elementar senso de justiça e atenta contra a simples noção de civilização.


E mais, há poucos anos Paulo Maluf foi preso preventivamente por um juiz federal de primeira instância, mas solto por habeas-corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, na mesma época em que seria preso pela Interpol caso viajasse ao exterior!


Nos países civilizados geralmente os criminosos precisam fugir de seus países para escapar da prisão, mas, para o referido político, hoje deputado, permanecer no País constituiu garantia de liberdade.


E assim o Brasil continua a desempenhar o papel histórico de imenso abrigo para criminosos, brasileiros e estrangeiros. A atual superpopulação carcerária não desmente tal afirmação, já que constituída de réus na maioria pobres – vale dizer, mal defendidos.


A legislação processual penal ruim poderia ser contrabalançada por uma interpretação adequada da lei processual pelos Tribunais Superiores, mas não é isso que está ocorrendo. Há algo muito perturbador no “Estado de Direito” que está sendo forjado no Brasil.