sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ecologia e transporte




Tomei conhecimento, estarrecido, de dois dados nas últimas semanas. O primeiro deles, assistindo a um programa de TV. O segundo, lendo As conexões ocultas, do Fritjof Capra.

No programa de TV do Rafinha Bastos fizeram uma competição intermodal de transporte. Saindo da Praça da Sé, em São Paulo, quatro repórteres usaram meios de transporte diferentes para irem até a casa de um trabalhador, na periferia de São Paulo. O que foi de helicóptero gastou R$ 2.900,00 e chegou em 5 minutos. O que foi de carro gastou menos, mas chegou em 2h30; a que foi de bicicleta levou 2h40; e a última, que foi de metrô e ônibus, levou quase 3h.

A segunda informação diz que, em média, a comida da mesa dos norte-americanos viaja 1.600km desde o local em que é produzida.

Alguma coisa está realmente errada.

Pessoas levando mais de seis horas no trânsito no dia-a-dia. Comida que é produzida a milhares de quilômetros de onde é consumida. Transporte, transporte e mais transporte, e cada vez mais poluente!

E o país inteiro fazendo contas e economizando para reformar... aeroportos para a Copa de 2014! Ah, não, alguma coisa está realmente errada nisso tudo!

O maior problema do Brasil não é estar há 60 anos sem sediar uma copa. O maior problema do Brasil não são os aeroportos, que, apesar das passagens um pouco menos caras, não são ainda o principal meio de transporte do povo. O maior problema do Brasil não é produzir comida e mandar para os EUA.

O maior problema do Brasil ainda é a escravidão.

Essa população pobre, das periferias, está sendo escravizada novamente. Já foram há dois séculos, e estão sendo novamente chicoteadas todos os dias nos metrôs lotados, nos ônibus lentos e sujos, atrasados e sem o mínimo conforto. Gastam metade (metade!!!) dos salários apenas para... ir trabalhar, igualzinho ocorre ainda hoje nos sertões desde país com os carvoeiros que ganham R$ 200,00 por mês e pagam R$ 100,00 de aluguel e mais R$ 50,00 de mantimentos. Igualzinho também aos senhores de escravos, que se vangloriavam de dar a “seus negros” “ótimas” instalações na senzala.

E aqui no interior, então, apesar de o problema dos transportes ser menos latente (mas existe sim, já experimentou pegar ônibus intermunicipal?), somos quem fica com o lixo resultante do processo industrial que vai fazer salgadas e saborosas frituras chegarem às mesas dos norte-americanos. O dinheiro também vai junto, para os acionistas, mas o lixo, a poluição, os escravos da pós-modernidade, ficam por aqui. Os recursos vão dos pobres para os ricos e a poluição vai dos ricos para os pobres, como lucidamente exemplifica Capra.

E, ainda assim, esse tipo de indústria posa de bom mocinho. Ah, sem ela a cidade iria à falência, sem ela não teríamos empregos nem investimentos. Paga pouco mais de um salário para cada trabalhador, que acaba se aposentando por tendinite às custas do INSS. Deixa os danos ambientais todos por aqui, poluindo ar, água e solo, e enche de caminhões as rodovias. Nós, os escravos, ainda dizemos inconscientes, “que patrão bom que temos por aqui”.

Já fui utópico a ponto de terminar um texto como estes sugerindo uma ferrovia. Não sou mais tão burro. Já sei que isso não vai acontecer mesmo. Vou sugerir apenas que se melhor os transportes públicos, só isso, coisa miúda, que deveria ser a preocupação de qualquer governante.