Pode o MP formular TAC em casos de pequenas improbidades?
Tem gente que diz que não. Citam a lei de improbidade que proíbe "acordos" nas "ações de que trata esta lei".
Um dos argumentos a favor é o seguinte: a improbidade é um câncer e tem que ser punida com rigor, seja miúda ou graúda.
Lindo!
E na prática? Se você pensou num Maluf como exemplo de improbidade, engana-se... O grosso dos casos de improbidade é miúdo. E, como diz meu amigo Affonso, a corrupção começa pequena (O que você tem a ver com a corrupção?).
Esqueça o Maluf. Eis um exemplo corriqueiro:
Servidor público utilizou o telefone do trabalho para ligações a um disque sexo. Em tese, configuraria pelo menos a improbidade do art. 10, já que ocorreu perda patrimonial. O valor total da ligação foi de R$ 50,00.
Duas opções ao promotor, feliz por poder agir contra uma ilegalidade: a) propor ação para punir "com rigor" a improbidade; b) celebrar um TAC com o servidor, com a obrigação de devolver o valor de R$ 50,00 e pagar mais um salário mínimo de multa
Opção "a":
Se optar pelo processo, depois de duas horas minutando uma inicial, mais algumas horas para fazer a impugnação à contestação, e umas boas quatro horas perdidas em audiência, depois de cinco anos o promotor receberá a sentença, provavelmente favorável, aplicando a multa de até duas vezes o valor do dano: R$ 100,00, mais a devolução do prejuízo: R$ 50,00. Total: R$ 150,00.
Claro que o servidor pode recorrer. Afinal de contas, já contratou advogado. Recurso sobe para o TJ. Razões e contrarrazões. Lá, um voto vencido diz que é uma improbidade bagatelar, e que minima non curat praetor. Em bom português: juiz não cuida de besteira.
Lá se foram mais dois anos.
Tendo um bom advogado, lá vem mais um recurso, agora ao STJ. Razões e contrarrazões, parecer do MP, despacho do vice-presidente do TJ. Mais dois anos.
E lá no STJ, o ministro, com mais 50 mil processos para julgar, vai ler o caso e dizer: que besteira! Por que isso chegou aqui?!?! Assessoria, façam logo um despacho negando seguimento ao recurso, anulem tudo, sei lá, façam alguma coisa, mas eu não vou levar para a turma uma besteira dessas!
Enfim, uns 10 anos depois, a ação de improbidade transita em julgado. É definitiva.
Vamos agora executar. Intimação do réu por precatória (custas do oficial já ultrapassam R$ 200,00). Não encontra o réu no endereço, afinal, faz muito tempo que mudou. Ofício pra lá e pra cá. Volta o processo. Meia hora na mão do juiz, meia hora na mão do promotor (lá se vão mais algumas centenas de reais). Enfim, intima. O valor, corrigido e atualizado, dá R$ 250,00. O réu pede para parcelar. Passa novamente pelas mãos do juiz e do promotor. Mais uma centena de reais. Indeferido. Mais uma intimação. Agora sim, se tudo der certo, vai pagar...
No serviço público, no cafezinho, um burburinho: "será que vai pagar? Só dez anos depois... Se deu bem o colega. Esse país não funciona mesmo. Para aplicar essa pena levaram todo este tempo...".
Opção "b":
Segunda-feira, o Promotor chama o servidor na promotoria. Apresenta o TAC. Devolver os R$ 50,00 e pagar multa de R$ 622,00, em quinze dias. Servidor aceita, afinal, contratar advogado é caro.
Sexta-feira, cinco dias depois, vem ao processo comprovante de pagamento da multa e da devolução.
Segunda-feira seguinte: processo é arquivado.
No serviço público, no cafezinho, um burburinho: "gente, não dá pra vacilar, viu o colega, já teve que pagar a multa, não deu nem um mês".
Moral da história
Rigor se faz na prática, não na teoria. O direito é dia a dia, é prática, é realidade viva e concreta. Teorias dão suporte, mas o que movimenta a vida é a prática.