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Você já viu esta cena. Todos na sala ou no restaurante esquecem um nome de filme ou escritor, alguém quer checar uma notícia, uma data... e o tablet ou o iPhone salvador é acionado. Pergunte ao Google. E lá está a informação que colore o branco da memória. Em termos. O que você lê na internet pode estar errado ou ser uma mentira deliberada. Com a ajuda da credulidade humana, histórias inventadas se propagam. Algumas são plausíveis, baseadas em dramas reais.
O professor de geografia, radialista e humorista Fábio Flores, capixaba de 39 anos, é um criador de notícias falsas ou, na definição dele, “fantasiosas”. A repercussão nacional e internacional de suas histórias é tão ampla que Fábio pensa em transformar sua experiência numa tese de mestrado sobre o “jornalismo mentira”. Ele publica casos com nome, sobrenome, idade, profissão, detalhes como “o quê, quando, como e por quê” em blogs e sites que fazem referência a seu humor no rodapé.
Os casos de Fábio são um 1o de abril eterno. Ganham legitimidade com a palavra de especialistas, debates em televisão e em universidades, projetos de lei, aulas de Direito e reportagens na mídia impressa e virtual no Brasil, Espanha, Itália, França e Estados Unidos. Ele nunca reclama a autoria. Não quer deter o curso de sua ficção. Seu interesse é outro: analisar até onde voam seus personagens – algo que ele chama de “capilaridade”. Os assuntos com “maior capilaridade na rede”, segundo ele, são, pela ordem, “sexo, leis e religião”. Se der para misturar tudo numa só história que desafie tabus e preconceitos, mais sucesso ela terá no mundo real. No Facebook e no Twitter, dezenas de milhares curtem, comentam e discutem como se fosse tudo verdade.
O professor de geografia, radialista e humorista Fábio Flores, capixaba de 39 anos, é um criador de notícias falsas ou, na definição dele, “fantasiosas”. A repercussão nacional e internacional de suas histórias é tão ampla que Fábio pensa em transformar sua experiência numa tese de mestrado sobre o “jornalismo mentira”. Ele publica casos com nome, sobrenome, idade, profissão, detalhes como “o quê, quando, como e por quê” em blogs e sites que fazem referência a seu humor no rodapé.
Os casos de Fábio são um 1o de abril eterno. Ganham legitimidade com a palavra de especialistas, debates em televisão e em universidades, projetos de lei, aulas de Direito e reportagens na mídia impressa e virtual no Brasil, Espanha, Itália, França e Estados Unidos. Ele nunca reclama a autoria. Não quer deter o curso de sua ficção. Seu interesse é outro: analisar até onde voam seus personagens – algo que ele chama de “capilaridade”. Os assuntos com “maior capilaridade na rede”, segundo ele, são, pela ordem, “sexo, leis e religião”. Se der para misturar tudo numa só história que desafie tabus e preconceitos, mais sucesso ela terá no mundo real. No Facebook e no Twitter, dezenas de milhares curtem, comentam e discutem como se fosse tudo verdade.
Há duas semanas, esta coluna se referiu a uma briga no Facebook entre a publicitária Mara Rocha e seu ex-marido Carlos Cavalcanti. A “briga” fora noticiada por um jornal nacional respeitado, dois sites jurídicos e confirmada a mim por uma advogada, com base em dez fontes, entre jornais impressos, sites e fóruns de Direito. Mara e Carlos não existiam. Eram um casal criado por Fábio, inspirado em brigas verídicas no Facebook. Descobri a fonte no Twitter. Fábio comemora sempre que uma história sua, inspirada na vida como ela é, sobe ao pódio da legitimidade. Na opinião dele, a mídia mais nobre é a impressa. Eu o entrevistei ao telefone. Ele disse que as redes sociais são um campo fértil para propagar invenções que afetem o cotidiano das pessoas. Verdade.
“Não há ofensa nem reclamação contra as minhas histórias, porque os personagens não existem”, diz Fábio. Entre seus casos de maior repercussão está “a mulher que exigiu na Justiça o direito de se masturbar no trabalho”. Essa ganhou fama internacional, porque o drama dos sexólatras, os viciados em sexo, é atual e sério. O “padre que se recusou a casar uma noiva sem calcinha” virou projeto de lei de um vereador de Vila Velha, Espírito Santo, e tema de programa de TV, que entrevistou um padre verdadeiro. O “sêmen que clareia os dentes” foi parar no site de um dentista. A “advogada que pediu indenização na Justiça por casar com um homem de pênis pequeno” foi capa de jornal e ganhou conteúdo científico sobre “insuficiência peniana”. O “homem de 36 anos que se separou da mulher, em Roraima, para casar com o cunhado e pastor de 28 anos” causou furor entre internautas e apareceu em jornais do Norte.
A mentira não é privilégio dos tempos de internet. Mas a democratização do debate em sites e blogs facilita equívocos e maledicências. E é responsável por absurdos. No início de setembro, o escritor Philip Roth escreveu uma carta aberta à Wikipédia, reclamando de um verbete errado sobre seu romance A marca humana (The human stain). A Wikipédia se recusou a reparar o erro, afirmando precisar de “fontes secundárias”. O autor do livro não era suficiente. Roth descobriu que não era mais crível que algum crítico literário fofoqueiro. É assustadora a fé com que jovens e adultos consultam hoje a Wikipédia, brandindo os verbetes como se fossem verdades absolutas. Citações atribuídas a autores errados são compartilhadas febrilmente.
As fronteiras entre a verdade e a ilusão, entre o fato e a versão são parte da história da humanidade e já fizeram muitas vítimas. Assim é se lhe parece, uma das obras-primas do Nobel de Literatura Luigi Pirandello (1867-1936), trata da construção imaginária e cruel de uma personagem que jamais aparece numa cidade italiana. Quando a fofoca é persistente e a versão é mais picante que o fato, a maior prejudicada é a verdade. Hoje, qualquer um tem o poder de criar um perfil falso no Facebook ou inventar uma notícia. É preciso desconfiar mais que antes. Nós, jornalistas, mais que todos. Uma lição que se aprende...
“Não há ofensa nem reclamação contra as minhas histórias, porque os personagens não existem”, diz Fábio. Entre seus casos de maior repercussão está “a mulher que exigiu na Justiça o direito de se masturbar no trabalho”. Essa ganhou fama internacional, porque o drama dos sexólatras, os viciados em sexo, é atual e sério. O “padre que se recusou a casar uma noiva sem calcinha” virou projeto de lei de um vereador de Vila Velha, Espírito Santo, e tema de programa de TV, que entrevistou um padre verdadeiro. O “sêmen que clareia os dentes” foi parar no site de um dentista. A “advogada que pediu indenização na Justiça por casar com um homem de pênis pequeno” foi capa de jornal e ganhou conteúdo científico sobre “insuficiência peniana”. O “homem de 36 anos que se separou da mulher, em Roraima, para casar com o cunhado e pastor de 28 anos” causou furor entre internautas e apareceu em jornais do Norte.
A mentira não é privilégio dos tempos de internet. Mas a democratização do debate em sites e blogs facilita equívocos e maledicências. E é responsável por absurdos. No início de setembro, o escritor Philip Roth escreveu uma carta aberta à Wikipédia, reclamando de um verbete errado sobre seu romance A marca humana (The human stain). A Wikipédia se recusou a reparar o erro, afirmando precisar de “fontes secundárias”. O autor do livro não era suficiente. Roth descobriu que não era mais crível que algum crítico literário fofoqueiro. É assustadora a fé com que jovens e adultos consultam hoje a Wikipédia, brandindo os verbetes como se fossem verdades absolutas. Citações atribuídas a autores errados são compartilhadas febrilmente.
As fronteiras entre a verdade e a ilusão, entre o fato e a versão são parte da história da humanidade e já fizeram muitas vítimas. Assim é se lhe parece, uma das obras-primas do Nobel de Literatura Luigi Pirandello (1867-1936), trata da construção imaginária e cruel de uma personagem que jamais aparece numa cidade italiana. Quando a fofoca é persistente e a versão é mais picante que o fato, a maior prejudicada é a verdade. Hoje, qualquer um tem o poder de criar um perfil falso no Facebook ou inventar uma notícia. É preciso desconfiar mais que antes. Nós, jornalistas, mais que todos. Uma lição que se aprende...